Um dos mais belos contos que já li sempre me vem à lembrança toda vez que me perguntam por que não costumo voltar aos lugares onde já estive ou retomar amizades ou amores do passado. De verdade, gosto de caminhar sem olhar para trás, e muito raramente feridas antigas conseguem arrancar lágrimas dos meus olhos. É do Aníbal Machado que lembro toda vez que tento explicar-me. Viagem aos Seios de Duília, conto belíssimo do mineiro que, embora tão talentoso, só publicou seu primeiro livro aos 46 anos.
Li Machado a primeira vez ainda na adolescência, e estreei justamente com o antológico Viagem aos Seios de Duília. O conto, de uma beleza indescritível, narra a história do funcionário público José Maria, que, sem nenhuma perspectiva depois da aposentadoria, começa a procurar no passado o estímulo pra continuar vivendo. E é nas memórias remexidas dos seus dezesseis anos que encontra os seios de Duília, símbolo dos desejos da juventude. Sem acreditar que ainda haja a possibilidade de futuro, José Maria empreende uma longa viagem ao interior à procura do menino que foi e da mulher cujos seios permaneceram vivos e rijos em suas lembranças.
Mesmo que não se tenha lido o conto, não é nada difícil imaginar o que o senhor desesperançado encontrou ao reencontrar o passado. Duília era dona Dudu, professora da zona rural, viúva, avó, desdentada e com os seios murchos. O passado procurado por José Maria só existia na sua imaginação, o mundo não parara quando ele deu os seus primeiros passos em direção ao futuro.
E a verdade é que o tempo não para nunca. Se ficamos presos nas lembranças do passado, somos prisioneiros solitários, porque os personagens da nossa história vivida continuam a caminhar, mudam de cidade, cortam os cabelos, tomam súbitas direções em suas vidas, casam-se, fazem filhos, criam netos, envelhecem e morrem.
Certa vez, andei a sonhar insistentemente com a cidadezinha do interior onde passei bons anos de minha infância. O terapeuta, junguiano, depois de me ajudar na análise dos meus conteúdos oníricos, aconselhou:
– Talvez você devesse voltar à sua cidade de infância e rever os lugares de onde emanam esses tantos símbolos que os sonhos lhe trazem...
Interrompi:
– Não, não, de jeito nenhum... lá eu só encontraria os seios murchos de Duília – retorqui com ênfase ao homem, que me olhou com um semblante interrogativo, uma vez que não conhecia o conto do Aníbal. Como faço inúmeras vezes, lá fui eu falar de José Maria e seu aprisionamento no passado, do colo murcho de Duília e, enfim, de tudo o que representaria voltar a um lugar que não existia mais, senão nas minhas lembranças, nos sonhos que às vezes sonhava, sabe-se lá por que.
É no futuro, de fato, e não no passado, que nos aguardam as mais gratas ou ingratas surpresas. Mas é lá que está o novo, o inusitado. O resto já o vivemos.
Li Machado a primeira vez ainda na adolescência, e estreei justamente com o antológico Viagem aos Seios de Duília. O conto, de uma beleza indescritível, narra a história do funcionário público José Maria, que, sem nenhuma perspectiva depois da aposentadoria, começa a procurar no passado o estímulo pra continuar vivendo. E é nas memórias remexidas dos seus dezesseis anos que encontra os seios de Duília, símbolo dos desejos da juventude. Sem acreditar que ainda haja a possibilidade de futuro, José Maria empreende uma longa viagem ao interior à procura do menino que foi e da mulher cujos seios permaneceram vivos e rijos em suas lembranças.
Mesmo que não se tenha lido o conto, não é nada difícil imaginar o que o senhor desesperançado encontrou ao reencontrar o passado. Duília era dona Dudu, professora da zona rural, viúva, avó, desdentada e com os seios murchos. O passado procurado por José Maria só existia na sua imaginação, o mundo não parara quando ele deu os seus primeiros passos em direção ao futuro.
E a verdade é que o tempo não para nunca. Se ficamos presos nas lembranças do passado, somos prisioneiros solitários, porque os personagens da nossa história vivida continuam a caminhar, mudam de cidade, cortam os cabelos, tomam súbitas direções em suas vidas, casam-se, fazem filhos, criam netos, envelhecem e morrem.
Certa vez, andei a sonhar insistentemente com a cidadezinha do interior onde passei bons anos de minha infância. O terapeuta, junguiano, depois de me ajudar na análise dos meus conteúdos oníricos, aconselhou:
– Talvez você devesse voltar à sua cidade de infância e rever os lugares de onde emanam esses tantos símbolos que os sonhos lhe trazem...
Interrompi:
– Não, não, de jeito nenhum... lá eu só encontraria os seios murchos de Duília – retorqui com ênfase ao homem, que me olhou com um semblante interrogativo, uma vez que não conhecia o conto do Aníbal. Como faço inúmeras vezes, lá fui eu falar de José Maria e seu aprisionamento no passado, do colo murcho de Duília e, enfim, de tudo o que representaria voltar a um lugar que não existia mais, senão nas minhas lembranças, nos sonhos que às vezes sonhava, sabe-se lá por que.
É no futuro, de fato, e não no passado, que nos aguardam as mais gratas ou ingratas surpresas. Mas é lá que está o novo, o inusitado. O resto já o vivemos.
32 comentários:
"- não devia ter feito isso, advertiu a mulher, como que despertando da profunda cisma.
- o quê?
- voltar ao lugar das primeiras ilusões."
Tania, minha querida, essa é uma das narrativas mais belas, nos sentidos que toda a beleza pode proporcionar: dor e prazer, da literatura.
Fico extasiado sempre que releio.
Abraço
Bom demais aqui!
Tania regina Contreiras,
gosto muito de ler seus texto, voce prende o leitor pela boa forma que desenvolve e articula com as palavras, rendo-me aqui a boa leitura,gosto de passado,p´resente e quem pode saber, futuro,
bom domingo,
Efigenia Coutinho
Muito bem escrito! Emocionou-me! Sua lembrança faz lembrar-me de fatos.
Quando eu tinha um quatorze anos, conheci uma moça muito bonita, loira. Um detalhe me chamava à atenção; duas covinhas nas bochechas.
Dias desses a encontrei e não a reconheci. As covinhas não existem mais. Devemos lembrar-nos que o tempo nos leva, sem que percebamos.
Voltei-me ao tempo e revivi os momentos em que jogávamos ping-pong e, ela com aquele sorriso lindo valorizando as covinhas do rosto.
Alegra-me ler você! Parabéns!
Tania: lindo texto, digo lindo para não dizer lindissimo, os seios de Dulia ou de qualquer mulher nunca estão murchos, pura ilusão, adorei este teu texto.
Um beijo
Santa Cruz
Confesso que não conhecia...
Entretando gostei muito...!
agradecido pelas visitas ao Rembrandt
abraço
Cara Tânia,
Um post muito interessante.
Há algum tempo que também venho pensando e reflectindo sobre o 'passado' e o que ele significa no meu presente e eventualmente no meu futuro. E tenho chegado a conclusões muito semelhantes às que li neste seu texto...
Gostei bastante do seu blog. Voltarei certamente.
Um abraço e tudo de bom.
Cleópatra M.P.
sendo certo que em cada dia
construimos memórias
porque o futuro
é o instante que se segue
Assis, é verdade, é lindo e inesquecível. Aníbal Foi brilhante.
Abraços,
Tânia
Carolina, muito grata pela primeira visita. Já estou lá também, conferindo de pertinho sua escrita.
Abraços,
Tãnia
Olá, Efigênia, obrigada, muita gentileza de sua parte. Grande abraço, querida.
Tânia
Olá, Machado: sumiram-se, então, as covinhas...eis o tempo que passa e é preciso que nos apeguemos ao que é essencial, eterno, ao que não muda.
Abraços, querido!
Santa Cruz, obrigada pela presença, querido. E gostei do seu comentário, é de quem vê com os olhos da alma.
Abraços,
Tânia
Oi, Juan, quando puder leia o conto do Aníbal, é simplesmente maravilhoso! E obrigada pela presença, querido.
Abraços,
Tânia
Cleopátra, grata pela visita, querida, já estive com você e agradeci em sua casa! es
Abraços,
Tânia
Tânia, este é um dos melhores contos que li na vida. Parabéns por falar dele aqui! Vim agradecer a visita e o comentário no enredosetramas. Estive um pouco ausente, viajando e depois nos preparativos finais do livro. Espero conhecê-la pessoalmente no lançamento.
Mar arável...obrigada pela presença. O futuro é o instante seguinte e essa loucura em desvendá-lo, mesmo antes de existir.
Abraços,
Tãnia
Oi, Jananína, de antemão já desejo sucesso a você. Certamente vou adquirir o livro, afinal é uma história real de uma guerreira real: sua mãe!
abraços,
tania
Aníbal Machado escreveu poucos contos, mas todos antológicos. Também costumo associar as voltas com "Viagem aos seios de Duília" (antológico=inesquecível, em grego).
Pérola solta
Sem que eu a esperasse,
Rolou aquela lágrima
No frio e na aridez da minha face.
Rolou devagarinho...,
Até a minha boca abriu caminho.
Sede! o que eu tenho é sede!
Recolhi-a nos lábios e bebi-a.
Como numa parede
Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,
Na boca me cantou,
Breve como essa lágrima,
Esta breve elegia.
José Régio
Adorável passar pelo seu espaço encantado e encher a alma de alegria. Lindo texto!
Beijos da Fada do Mar Suave.
Tânia.
Um testo encantador e me veio muito a calhar. Esta semana recebi a notícia de que a casa da minha família, onde vivi até me casar, foi vendida. De repente, fui tomada por uma nostalgia incômoda. As últimas palavras do seu texto me trouxeram de volta à realidade.
"É no futuro, de fato, e não no passado, que nos aguardam as mais gratas ou ingratas surpresas. Mas é lá que está o novo, o inusitado. O resto já o vivemos."
Papai já não está entre nós, mas tenho certeza que ele teria ficado feliz e orgulhoso e comemoraria o fato de que, seu trabalho e sua competência como pai e provedor, mesmo depois de sua morte, ainda nos alcança.
Obrigada pelas palavras.
Um maravilhoso domingo pra vc.
Beijos.
Desde hoje, te seguindo... seus textos são envolventes e encantadores.
Te convido a tomar um chocolate comigo, aproveitando o friozinho. Quem sabe me dê a honra de seguir-me também.
Beijos
Tânia, estou maravilhada com este seu post. De Aníbal Machado nada conhecia, nem mesmo o nome. O conto que se refere deve ser arrebatador, como arrebatadora é a sua mensagem. Tenho por norma de viver muito agarrada aos momentos do passado e este seu post fez-me sentir, não digo culpa, mas com uma consciência do tempo perdido.
Obrigado por este momento tão especial que me permitiu viver.
Beijinhos doces e um belo domingo, Ava.
Existem muitas coisas que me remete ao passado , e não é diferente com as leituras feitas no passado, não posso deixar de lembrar dos lugares onde eu marei quando releio Quincas Borba de Machado de Assis.
E muitas outras coisas que fazem valtar ao passado, é muito bom relembrar.
Abraço
Tânia, você vai achar que eu sou do contra, mas gosto de uma imagem maluca que me surgiu certa vez: a estrada da vida nos empurra para a frente como uma fita que vai se descolando do chão e se erguendo às nossas costas; chega um ponto em que ela já se elevou tanto que se curva, fazendo um arco sobre nós e tocando novamente o chão à nossa frente; sem perceber, começamos a caminhar por ela em sentido contrário, mesmo seguindo adiante. Eu acho que o que nos impulsiona é o passado inalienável. Além do que, ilusões são como slides fotográficos, precisamos trocá-las para que sejam projetadas na caverna de Platão.
Como sempre o seu texto é sensível e belo, dando muito o que pensar.
Abraço
Bem, inesquecíveis, então, Gerana...Este então é um marco.
Beijos
Oi, Fabrício, pode deixar que vou lá, sim, no seu espaço, me aguarde.
Abraços,
Tania
Fada do Mar Suave, obrigada pela visita, querida. Beijos, Tânia
Lua Nova, eu particularmente penso que é positivo olhar para frente e fazer o amanhã, não é? Que bom que o post lhe foi útil! Beijos, Tania
Ava, grata pela sua presença aqui. Fico feliz que o post tenha feito pensar. Beijos, tania
Lucidreira, grata pela visita. Sim, lembrar é bom, ficar preso no passado é que nao sei se é...
Marquinho, essa sua não deixa de ser interessante, dá o que pensar. Obrigada pela sua presença aqui, sempre luminosa.
Abraço,
Tânia
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