Conheci Júlia na praia, enquanto olhávamos os peixinhos à beira-mar. Reticente no começo, aproximou-se pouco a pouco, quando puxei uma conversa a respeito do esconderijo dos peixes – um pequeno castelo de pedra sob as águas, cuja ponta podíamos ver e tocar. Ao nosso lado, uma criança treinada a não sonhar protestou, afirmando convictamente que aquilo nada mais era do que pedras de praias. Não havia, no sem-sonhos da menina, nenhum sinal de que ali houvesse castelos e realezas, e tudo que seus olhos condicionados podiam perceber eram pequeninos peixes temerosos, correndo em direção às fendas de uma pedra limosa.
Mas Júlia não! Ela olhou com curiosidade a pedra por onde os peixinhos desapareciam a cada tentativa de captura reiniciada pelas outras crianças. A menina sem sonhos não gostou do jogo e se afastou. Continuamos eu, Júlia e mais uma garota que tentava fazer parte da brincadeira. E continuei a observar a vida dos pequenos seres, o seu balé de fuga, sincronizado e com ritmo. Falei para a Júlia que nós éramos gigantes:
– Fique em pé, Julinha...veja como somos tão grandes para eles...Nós somos gigantes e eles temem que os destruamos e ao seu castelo. Nesse castelo não podemos entrar, mas deve ser bonito lá dentro!
De longe, a avó da menina observava desconfiada, querendo saber sobre o que falavam tão animadamente uma mulher e uma menina de sete anos... Sem se aproximar, receava pela neta, que, embora tímida e arrisca, não parava de falar àquela moça desconhecida.
– Você sabe que eu como meu signo? – perguntou-me, brincalhona, a menina.
– Seu signo é peixes?
– É... – respondeu divertindo-se.
– Eu não posso comer o meu signo – falei, propondo que adivinhasse.
Júlia não adivinhou, e então contei que era de escorpião, e rimos juntas ao imaginarmos uma moqueca de escorpiões numa frigideira.
– Acho que eles se comunicam, uns falam aos outros sobre a presença dos gigantes, que somos nós, e todos tratam de correr para o abrigo do castelo de pedra – sugeri, mencionando novamente os peixes .
– E o que é isso? – perguntou a menina, com uma alga estendida nas mãos. É a comida deles?
Respondi que lá dentro do pequeno castelo deveria existir minúsculas mesas decoradas com algas verdinhas, e que talvez os peixinhos que víamos do lado de fora fossem somente os soldados, os guardiões da entrada do palácio. Silenciosa, comecei a catar seixos na beira da água, redondinhos, alvos e lisos.
– Para que servem? – perguntou Júlia curiosa.
– Para fazer arte... Colamos em caixinhas, em garrafas, pintamos com as cores que quisermos.
Júlia aderiu à busca das pedras e lá fomos nós disputar quem poderia apanhar mais...
Mal começamos e a avó, desconfiada, aproximou-se. Júlia chamou-a para mais perto, disse-me, então, que a senhora era de escorpião, como eu, mas a avó da menina não mostrava disposição em participar da conversa. Em poucos minutos, lembrou a Júlia que ali havia meninas do seu tamanho, com quem poderia brincar.
Chamei duas das meninas, nos apresentamos, deixei-as, então, na água e voltei à minha cadeira de sol.
Júlia se afastara das meninas que se aproximaram e me olhava de longe. Com as mãos cheias de pedras, aproximou-se e falou:
– Olha quantas pedras peguei! – falou exultante.
Eram mais pedras do que eu havia conseguido, portanto Júlia ganhou a competição e tinha direito a um refrigerante ou a um coco. Escolheu o primeiro e, enquanto esperava que o garçom despachasse o pedido, iniciou comigo uma conversa de apresentação:
– Olha, quando eu conheço uma pessoa eu gosto de perguntar um monte de coisas... Qual é a cor que você mais gosta?
– Eu gosto de várias cores...depende do dia. Hoje gosto do azul. E você?
– Eu gosto do preto...
– Ah, mais essa é a minha cor preferida na maior parte do tempo! Tenho muitas roupas pretas no meu guarda-roupa.
– Você gosta e axé e pagode? – continuou a menina.
– Não, eu não gosto.
– Nem eu.. – respondeu convicta.
– E de rock, você gosta?
– Sim, de alguns, depende do tipo...
– Minha avó também gosta, mas só gosta do Raul Seixas...
O garçom trouxe o refrigerante de Júlia e a avó começou a caminhar em nossa direção.
– Eu gosto da Jannie Joplin...você gosta? – prosseguiu, curiosa, a menina.
– Gosto muito...
A avó da menina chegou meio sem jeito e convidei-lhe a sentar, o que fez um tanto quanto constrangida.
– O que a Júlia conversa tanto? – perguntou surpresa.
– Estava falando de signos, comida natural, cores, música e Jannie Joplin...
– Jannie Joplin? – a avó surpreendeu-se.
– Sim, ela gosta e eu também gosto...
Com ares de perplexidade, a avó da menina explicou que não estava entendendo o que acontecia com Júlia. Segundo explicou, a garotinha era tímida e desconfiada, muito avessa a conversas, mesmo com pessoas conhecidas. Depois de contar um pouco sobre a sua vida, a senhora catarinense comunicou que já estava indo, pois uns amigos a aguardavam numa barraca de praia mais adiante. Convidou-me a juntar-me a eles, mas recusei, agradecendo. A neta queria ficar e foi preciso que a avó sugerisse a troca de telefones entre nós, além de precisar ouvir de minha parte que eu já estava de saída.
– Você vem sempre a essa praia? – perguntou Júlia, ansiosa.
Não, eu não ia, mas a avó lembrou que poderíamos nos falar por telefone, o que sossegou um pouco a menina, que, ainda relutante, deu os primeiros passos em direção ao rumo que tomariam.
Fiquei ainda pensando em Júlia por alguns dias. O que ela vira em mim que a fez aproximar-se e confiar. Na conversa, bem mais longa do que aqui reproduzo, a menina mostrou que tinha preferências inusitadas para alguém com apenas sete anos de idade. Parecia um miniadulto em alguns momentos, mas o palácio dos peixes e o medo dos gigantes humanos estavam em perfeita harmonia com sua imaginação de criança. Talvez, quem sabe, a história que inventei não fosse de todo inverídica e Júlia simplesmente tenha encontrado em mim um adulto que podia conhecer as secretas cavernas da imaginação infantil. Ou, quem sabe, a menina simplesmente seja como eu: acredita e confia em quem sabe sonhar!
Mas Júlia não! Ela olhou com curiosidade a pedra por onde os peixinhos desapareciam a cada tentativa de captura reiniciada pelas outras crianças. A menina sem sonhos não gostou do jogo e se afastou. Continuamos eu, Júlia e mais uma garota que tentava fazer parte da brincadeira. E continuei a observar a vida dos pequenos seres, o seu balé de fuga, sincronizado e com ritmo. Falei para a Júlia que nós éramos gigantes:
– Fique em pé, Julinha...veja como somos tão grandes para eles...Nós somos gigantes e eles temem que os destruamos e ao seu castelo. Nesse castelo não podemos entrar, mas deve ser bonito lá dentro!
De longe, a avó da menina observava desconfiada, querendo saber sobre o que falavam tão animadamente uma mulher e uma menina de sete anos... Sem se aproximar, receava pela neta, que, embora tímida e arrisca, não parava de falar àquela moça desconhecida.
– Você sabe que eu como meu signo? – perguntou-me, brincalhona, a menina.
– Seu signo é peixes?
– É... – respondeu divertindo-se.
– Eu não posso comer o meu signo – falei, propondo que adivinhasse.
Júlia não adivinhou, e então contei que era de escorpião, e rimos juntas ao imaginarmos uma moqueca de escorpiões numa frigideira.
– Acho que eles se comunicam, uns falam aos outros sobre a presença dos gigantes, que somos nós, e todos tratam de correr para o abrigo do castelo de pedra – sugeri, mencionando novamente os peixes .
– E o que é isso? – perguntou a menina, com uma alga estendida nas mãos. É a comida deles?
Respondi que lá dentro do pequeno castelo deveria existir minúsculas mesas decoradas com algas verdinhas, e que talvez os peixinhos que víamos do lado de fora fossem somente os soldados, os guardiões da entrada do palácio. Silenciosa, comecei a catar seixos na beira da água, redondinhos, alvos e lisos.
– Para que servem? – perguntou Júlia curiosa.
– Para fazer arte... Colamos em caixinhas, em garrafas, pintamos com as cores que quisermos.
Júlia aderiu à busca das pedras e lá fomos nós disputar quem poderia apanhar mais...
Mal começamos e a avó, desconfiada, aproximou-se. Júlia chamou-a para mais perto, disse-me, então, que a senhora era de escorpião, como eu, mas a avó da menina não mostrava disposição em participar da conversa. Em poucos minutos, lembrou a Júlia que ali havia meninas do seu tamanho, com quem poderia brincar.
Chamei duas das meninas, nos apresentamos, deixei-as, então, na água e voltei à minha cadeira de sol.
Júlia se afastara das meninas que se aproximaram e me olhava de longe. Com as mãos cheias de pedras, aproximou-se e falou:
– Olha quantas pedras peguei! – falou exultante.
Eram mais pedras do que eu havia conseguido, portanto Júlia ganhou a competição e tinha direito a um refrigerante ou a um coco. Escolheu o primeiro e, enquanto esperava que o garçom despachasse o pedido, iniciou comigo uma conversa de apresentação:
– Olha, quando eu conheço uma pessoa eu gosto de perguntar um monte de coisas... Qual é a cor que você mais gosta?
– Eu gosto de várias cores...depende do dia. Hoje gosto do azul. E você?
– Eu gosto do preto...
– Ah, mais essa é a minha cor preferida na maior parte do tempo! Tenho muitas roupas pretas no meu guarda-roupa.
– Você gosta e axé e pagode? – continuou a menina.
– Não, eu não gosto.
– Nem eu.. – respondeu convicta.
– E de rock, você gosta?
– Sim, de alguns, depende do tipo...
– Minha avó também gosta, mas só gosta do Raul Seixas...
O garçom trouxe o refrigerante de Júlia e a avó começou a caminhar em nossa direção.
– Eu gosto da Jannie Joplin...você gosta? – prosseguiu, curiosa, a menina.
– Gosto muito...
A avó da menina chegou meio sem jeito e convidei-lhe a sentar, o que fez um tanto quanto constrangida.
– O que a Júlia conversa tanto? – perguntou surpresa.
– Estava falando de signos, comida natural, cores, música e Jannie Joplin...
– Jannie Joplin? – a avó surpreendeu-se.
– Sim, ela gosta e eu também gosto...
Com ares de perplexidade, a avó da menina explicou que não estava entendendo o que acontecia com Júlia. Segundo explicou, a garotinha era tímida e desconfiada, muito avessa a conversas, mesmo com pessoas conhecidas. Depois de contar um pouco sobre a sua vida, a senhora catarinense comunicou que já estava indo, pois uns amigos a aguardavam numa barraca de praia mais adiante. Convidou-me a juntar-me a eles, mas recusei, agradecendo. A neta queria ficar e foi preciso que a avó sugerisse a troca de telefones entre nós, além de precisar ouvir de minha parte que eu já estava de saída.
– Você vem sempre a essa praia? – perguntou Júlia, ansiosa.
Não, eu não ia, mas a avó lembrou que poderíamos nos falar por telefone, o que sossegou um pouco a menina, que, ainda relutante, deu os primeiros passos em direção ao rumo que tomariam.
Fiquei ainda pensando em Júlia por alguns dias. O que ela vira em mim que a fez aproximar-se e confiar. Na conversa, bem mais longa do que aqui reproduzo, a menina mostrou que tinha preferências inusitadas para alguém com apenas sete anos de idade. Parecia um miniadulto em alguns momentos, mas o palácio dos peixes e o medo dos gigantes humanos estavam em perfeita harmonia com sua imaginação de criança. Talvez, quem sabe, a história que inventei não fosse de todo inverídica e Júlia simplesmente tenha encontrado em mim um adulto que podia conhecer as secretas cavernas da imaginação infantil. Ou, quem sabe, a menina simplesmente seja como eu: acredita e confia em quem sabe sonhar!
2 comentários:
Se me permite um pitaco... eu acho que Júlia é uma miniadulta e você é uma macrocriança! Que bom para as duas que se uniram como o côncavo e o convexo. Beijos, Marcia
É...talvez sim. Verdade é que nos encontramos e seguimos. Preciso escrever hora dessas sobre esses encontros únicos, que são sempre marcantes.
Obrigada pela visita, espera aí que visito ocê hora dessas também.
Bjos
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