6 de agosto de 2011

“Minha sobrevivência ficaria comprometida se me tirassem os versos e as canções”



*Entrevista com o jornalista e escritor mineiro Roberto Lima*

http://cronicasderobertolima.blogspot.com/

Filho de um soldado da polícia militar e uma dona-de-casa, nascido em Pedra Corrida – MG, aos 21 anos de idade ele chegou aos Estados Unidos com a cara e a coragem, enfrentou inúmeros desafios, foi preso e submetido a julgamento pelo serviço de emigração americano, convenceu o juiz que de que era filho de um grande produtor de café no planalto baiano e, em menos de cinco anos, tornou-se um respeitado empresário da comunicação. Roberto Lima, 48 anos, escritor e jornalista, editor do jornal Brazilian Voice – que atende toda a comunidade brasileira nos EUA com notícias e serviços – tem, sem dúvida, muita história pra contar.

Quem acompanha o jornalista mineiro em seu blog de crônicas, Primeira Pessoa, surpreende-se de cara com o seu talento em fazer amigos dentro e fora do ambiente virtual e com a poesia flagrante que permeia toda a sua produção literária. Embora não o admita,  Roberto Lima é, essencialmente, um poeta. Cada crônica que escreve – sempre acompanhada por uma música, sua outra grande paixão – vem mergulhada em poesia que fisga de imediato o leitor para uma intimidade crescente e inusitada e transforma o seu espaço numa espécie de mesa de bar, como ele próprio afirma.

Roberto Lima é um vencedor. Acreditou que viveria a vida inteira das coisas que escrevesse e conseguiu relaizar seu sonho. Com uma trajetória de sucesso que enche de orgulho brasileiros daqui, dali e de acolá, ele não hesita em declarar, entretanto, que sua sobrevivência ficaria comprometida se lhe tirassem os versos e as canções.
Numa entrevista informal com amigos da blogosfera, alguns de longa data, Roberto Lima conta um pouco de sua vida, seus sonhos, sua trajetória profissional.
Com vocês, Roberto Lima...

RV - Zé Güela, quem acompanha suas crônicas, sabe que você tem uma veia poética que pulsa forte em cada texto. Existem planos para reeditar Colosso Ciclone e Tango Fantasma? Quem sabe um novo livro? (Fouad)

RL - Zé Fuínha, felizmente estes livros foram como aquela espinha na bunda. Só os muito íntimos viram. Eles foram publicados quando eu era muito novo e revelam toda a imaturidade de um jovem aspirante a escritor. Se não possuem valor enquanto literatura, servem como registro de uma época, de um período da vida de uma pessoa.

Colosso Ciclone foi escrito a quatro mãos com o Bispo Filho, e ele já era muito do enorme poeta que é hoje. Tango Fantasma registrou os poemas dos meus quatro primeiros anos vivendo fora do Brasil, e mostra todo o estranhamento que veio junto disto tudo. Eu não gostaria de reeditá-los, mas adoraria voltar a produzir poesia e, quem sabe, publicar alguma coisa em livro num futuro que ainda não consigo antever. Seria uma espécie de reabilitação.

RV - Você tem uma baita história de vida fora do país. Quais as lições tiradas dessa sua trajetória? Ficou algum arrependimento? (Fouad)
RL - Arrependimento nenhum, Fouad. Tive, isto sim, uma grande oportunidade. Cheguei com 21 anos, de bolsos e cabeça vazios e, menos de cinco anos depois, era um respeitado empresário da área de comunicação, pioneiro, escrevendo uma história importante para mais de um milhão de pessoas vindas para cá em situação similar à minha. Todos os valores da vida adulta, aprendi aqui, diletantemente, na base do susto, da porrada, do baque... E sem perder aspectos importantes absorvidos nos anos de minha formação aí, em Minas Gerais. Melhor ainda: não endureci. Até meu sotaque de brasileiro permaneceu mineiríssimo. Ou seja: não "desbotei".

RV - Além de talento nas letras, todos nós somos prova do seu talento para fazer amigos dentro e fora do ambiente virtual. De onde vem essa arte? O que faz o Roberto Lima ser admirado como é? (Fouad)

RL - Ainda não haviam me contado isto, Fouad. (rs). É sério? Conte-me quem são estes "admiradores". Quero jantar com cada um deles e agradecer. Falando sério, tenho um enorme carinho pelos meus iguais, procuro me cercar sempre de pessoas boas e que comungam comigo dos mesmos princípios e ideais. E aprendo muito com eles. A verdade é que tenho sempre aquela percepção de que recebo muito mais do que dou. E tenho tido o privilégio de conhecer pessoas muito especiais, com quem tenho enorme empatia, e acabamos nos misturando nessa coisa só, chamada amizade. Sinto-me honrado de tê-los em minha vida e procuro amá-los e preservá-los. Minhas amizades costumam durar por toda a vida. Acho que minhas inimizades também, traço comum de sagitariano.

RV - Como o menino de Pedra Corrida ganhou o mundo e foi parar em Nova York? (MPaula Alvim)

RL - Eu havia recém-saído do exército e passei seis meses em Vitória-ES, tentando achar um trabalho na área editorial. Já era o sapato da vida, apertando, Maria Paula.... Mas como não aconteceu nada por lá e meu pai já começava a ficar impaciente com aquele rapagão dentro de casa, sempre misturado com um monte de poetas e boêmios, tive que dar os meus pulinhos e ganhar a estrada antes que ele me expulsasse (rs). No início dos anos 80 começava aquela onda de emigração brasileira para os EUA, principalmente entre as pessoas residentes em Governador Valadares, e eu embarquei nela. Meu pai penhorou a casa em que vivíamos, comprei uma passagem para pagar em 36 prestações e aportei em Nova York com 700 dólares no bolso e a promessa de não fracassar.

RV – Roberto, qual o maior desafio que você teve de enfrentar como emigrante? Em algum momento você teve medo de estar num país estranho? Voltar para o Brasil faz parte de seus planos num futuro próximo? (Tânia)

RL - Taninha, os desafios foram os mesmos de toda pessoa que se muda para um novo país. Eu não falava o idioma, os costumes eram obviamente outros, e eu era um menino do interior do Brasil. Mas, quando somos jovens, no entanto, estes desafios são menores do que a vontade de vencer e a necessidade da sobrevivência. Não dá nem tempo para ter medo de nada.

Durante todos estes anos eu jamais cogitei um retorno ao Brasil, até que, no final do ano passado, veio uma vontade imensa de um recomeço aí. Seria o renascimento de um brasileiro. Cheguei até a projetar maneiras de sobreviver, com a abertura de um restaurante e a criação de uma produtora de espetáculos, em Minas. Mas o projeto foi desfeito, recentemente, e a vida segue por aqui mesmo. Pode ser que minhas cinzas sigam, um dia, e sejam sopradas do alto do Pico do Ibituruna


RV - Sei que você gosta muito de música. Qual seria a trilha sonora de sua vida? (MPaula Alvim)

RL - Gosto de muita coisa. E não gosto de muita coisa. Da mesma forma que existe aquela música que me dá prazer, a antitrilha me incomoda com antagônica intensidade. Eu não tenho a menor paciência para música sertaneja, axé, “fanque” e estas outras bobagens feitas para entulhar nossos ouvidos com melodias e idéias muito ruins. Gosto de MPB, mais do que de jazz, do blues ou do rock and roll, que cresci escutando com prazer. Acho Renato Braz o maior cantor do Brasil e todos os seus discos me emocionam muitíssimo. Gosto muito de Milton Nascimento, dos baianos Caetano Veloso e Roberto Mendes ( o segredo mais bem guardado do Brasil), do Chico de antes, da Elis, essa turma...

RV - Roberto, em sua crônica Survivor, sua sensibilidade se volta para os legítimos survivors brasileiros e cita; "os que alimentam uma família de cinco pessoas com o salário mínimo; ativista que pensa na sociedade e no bem comum”. Como é ver isto estando em New Jersey? Pensar no povo do seu país sem chance de sobreviver, isto te tensiona, ou um programa com os amigos resolve? (Mirze)

RL - Eu cresci fora da fome, Mirze, mas num ambiente de alguma privação. Eu via os pulos que meus pais davam para sustentar uma família relativamente pequena (4 pessoas), e os sacrifícios que faziam para que pudéssemos estudar e crescer saudáveis. A solidariedade, acredito, vem naturalmente, por ter eu feito parte desta grande massa de deserdados. Esse espírito de unidade e respeito vem, principalmente, do fato de não me esquecer, jamais, de onde e de quem vim. E, sim, fazer um programa com os amigos é sempre bom, mas não resolve a maior parte dos problemas práticos da vida.

Talvez resolva esse meu, imediato, resgatando-me da provável solidão que geralmente acomete as pessoas que gostam do isolamento gerado pela presença de livros e discos ao seu redor. Sou daqueles que se povoam de palavras e sons. E de pessoas que riem e choram pelos motivos certos.

RV - Roberto, não há dúvida que você escreve muito bem para um nível geral da população, ou seja: qualquer pessoa que saiba ler, pode entender suas crônicas. Este era seu objetivo desde o início? (Mirze)

RL - Mirze, isso é uma limitação minha, enquanto escritor. Só conheço uma maneira de fazer as coisas, que é escrever da forma que falo, da forma que converso, que me comunico com as pessoas. E isto é falar das coisas que sinto, e como as sinto. Acho que é por isto que me tornei um prisioneiro da crônica, este gênero que é visto por tantos como uma literatura de segunda categoria. Por outro lado, a crônica me permite flertar com a poesia, com o conto e com o próprio romance, tendo nestes últimos casos a responsabilidade e a facilidade de contar uma estória longa, num minifúndio de papel.

RV - Conheço sua querida Minas Gerais, que também é minha querida, aliás tudo que eu gosto você também gosta, mas já discutimos isto. Foi lá que certamente seu amor pela culinária começou, ou você só ensaia alguns passos como gourmet? (Mirze)

RL - Sempre fui guloso, desde menino. Minha mãe cozinha muito bem, aquelas coisas simples, caseiras. Minha avó materna também era boa de forno e fogão. Quando vim morar nos EUA consegui um emprego lavando pratos na cozinha de um restaurante ibérico. Foi lá que aprendi a cozinhar, a fazer coisas e, como bônus, me “legalizei” no país. Mas acho que o gosto pela culinária vem mesmo disto de ser guloso e de me aventurar brincando com fogo. Para mim, tanto faz ser um pastel de feira, quando um prato mais elaborado, criado por um renomado chefe de cozinha. O prazer de comer me permite isto. Na minha cozinha eu invento pratos, combinações, algumas muito apreciadas por meus amigos cobaias. E a minha silhueta não mente. Assumo que tenho uma alma de gordo.

RV - Acho você triste e sensível. Estou certa, ou errada ? (Mirze).

RL - Tenho andado meio melancólico de uns tempos pra cá, sim. Pode ser a crise da meia-idade, pode estar sendo causado por circunstâncias da vida presente, mas pode ser apenas da condição humana. E a sensibilidade, eu quero crer, vem também desta condição... Isto de não me saber eterno, de reconhecer minha fragilidade, de sangrar quando me corto e de tentar calçar os sapatos alheios o tempo todo. Quem me conhece mais de perto, no entanto, quem convive mais diretamente comigo, me sabe brincalhão, bem-humorado, irreverente e sem frescuras... O compositor Celso Adolfo costuma dizer que eu sou uma bagunça, uma espécie de escrivaninha desorganizada. A minha própria, talvez. Crescendo, as pessoas falavam que eu tinha um olhar meio tristonho, aquele olhar de boi na fila do matadouro.

RV - Suas crônicas, mesmo as mais politizadas, vêm sempre úmidas de poesia, de som de sino, de mística, de vento e de vida mineiros. São deliciosamente humanas, e desencadeiam na gente uma empatia própria de irmãos ficados órfãos na infância. Viver fora do país aperfeiçoa a visão sobre o Brasil, ou só causa saudade (e escrever é apenas um divertimento alentador)? (Wilson Nanini)

RL - Nanini, eu não creio que isto de transpirar poesia - em determinados momentos de meus textos - tenha a ver com o fato de morar fora do Brasil. São respingos do que restou do poeta frustrado, que ainda mora em mim. E isto está diretamente ligado, tenho certeza, às minhas escolhas de leitura, no que fui crescendo, aí mesmo no Brasil. A forma de ver e filtrar as coisas no papel, nada mais é que uma transcrição das coisas que vejo e sinto. Eu não consigo fingir, criar um personagem, entrar sob sua pele, o que é uma grande limitação para uma pessoa com quase 50 anos de idade e que ainda quer ser escritor (rs).

RV - Primeira Pessoa nos abre as portas, mostra-nos de que tripas inefáveis se faz um coração espontaneamente ofertável. Quais as vantagens e desvantagens de se expor via internet para um sem-fim de desconhecidos, que ousam chamá-lo de “amigo”, sem terem ao menos apertado ainda sua mão? (Wilson Nanini)

RL - Escrever é, acima de tudo, um prazer, e uma forma de me exorcizar cotidianamente. Costumo dizer que venho sobrevivendo de me expor numa vitrine, exatamente como sou. E isto talvez seja uma forma de exibicionismo, que só Pink Floyd explicaria. O blog é, pra mim, uma espécie de mesa de bar. Algumas pessoas conhecidas neste ambiente virtual já saem direto para a cozinha real da minha casa. Já aconteceu algumas vezes. E eu fiquei verdadeiramente amigo de algumas pessoas que conheci no blog. São pessoas que admiro muitíssimo e que, tenho absoluta certeza, seriam grandes amigos, caso vivêssemos na mesma cidade. Tenho a sorte de atrair pessoas de boa energia. Pessoas como você, Nanini.

RV - Muitos gigantes de alma, como a Mariana Botelho, que se lançaram aos nossos olhos através de blogs, têm migrado para livros maravilhosos. Assim como outros, como Paulinho Pedra Azul, têm interagido com a rede mundial de computadores, apesar de já serem renomados em formatos palpáveis. Há um formato ideal para acondicionar a escrita? Editar um livro é uma vaidade descartável? (Wilson Nanini)

RL - A Mariana Botelho é uma grande esperança da literatura mineira e brasileira. O Paulinho Pedra Azul eu conheço desde os 17 anos de idade, antes mesmo de ele lançar seu primeiro disco. Na minha modesta opinião, para a Mariana, a literatura é uma coisa mais de carreira e, caso ela tenha paciência e disciplina, a consagração é o limite... Mariana Botelho tem lastro e profundidade. Já para o Paulinho, a literatura é uma terceira forma de expressão dentro das artes, já que ele pinta muito bem e seus discos fizeram dele um cantor e compositor respeitado até fora do país. Paulinho é mais cantor e compositor, do que as duas outras coisas juntas.

Acredito, ainda, que os blogs e estas novas mídias são a resposta dos artistas para o afunilamento, um chute nos colhões do jogo de interesses que campeia no mercado editorial. Um blog tem um alcance muito maior que o de um livro, mesmo que não tenha o mesmo charme e que nos recusemos, talvez por preconceito, a oficializar o formato revolucionário como definitivo. Saiba: os blogs vieram pra ficar. E, eu não vejo a publicação de um livro como uma vaidade descartável, mas reconheço a necessidade de muitas pessoas só se sentirem legitimadas como escritores, após a publicação de um livro. Eu as entendo e aplaudo.

RV - Que importância tem o Bairro São Raimundo na sua literatura? (Bispo Filho)

RL - Bispo, São Raimundo foi o lugar em que cresci e tive a oportunidade de conhecer dois meninos inquietos, extremamente talentosos, e que foram fundamentais na minha formação de escrevinhador de coisas. Você e Abel Costa cresceram comigo em São Raimundo e, até hoje, sempre que termino um texto, fico naquela vontade inexplicável de mostrar pra vocês dois, como fazia quando morava aí e "cometia" um poema qualquer.

RV - O que significou sua amizade com Roberto Drummond para a sua lavra? (Bispo Filho)

RL - O Roberto Drummond foi um grande amigo, era uma pessoa que eu admirava muitíssimo e foi um privilégio enorme ter desfrutado de sua amizade e companhia. Eu me sentia protegido por ele, que me colocava sob suas asas e apresentava ao mundo, naquele início de tudo. E foi um presente que a vida me deu, esta aproximação, já que ele era um ídolo meu. E a influência dele em meus textos é algo ridiculamente visível. Às vezes, acho que ele escreve pelas minhas mãos, um lance meio Mãe Diná, meio Chico Xavier...rs Mas isto pode ser apenas mais uma pretensão minha. O que sei eu?

RV - Como você vê a literatura brasileira feita no âmbito da comunidade emigrante nos EUA? Ela existe? (Bispo Filho)

RL - Existe de forma muito capenga, que é um reflexo das precariedades desta comunidade fechada em um gueto, mesmo depois de tanto tempo instalada por aqui. De vez em quando, aparece alguém escrevendo um livro, que geralmente fica restrito a este microcosmo. Eu faço parte deste microcosmo.

RV – Roberto, você é um sujeito único, conseguiu fazer um jornal com uma máquina de escrever que não tinha uma letra. Gostaria de perguntar se é possível escrever poesia sem o alfabeto completo. (Cantor e compositor Kledir)

RL - Kledir, é possível fazer poesia até com uma meia dúzia de letras, sim. Só não é possível fazer poesia sem sentimento, sem emoção. Aí não é poesia. Começar a escrever um jornal a partir de uma máquina de escrever banguela é fichinha, perto de parir um poema. Faço jornal todos os dias de minha vida, mas não consigo escrever um poema. E isto dói.  Difícil mesmo é ser parceiro de Kleiton e Kledir numa canção.

RV - Roberto, eu vejo você como um grande pavimentador de estradas que percorrem almas; você tem essa incrível facilidade, e felicidade creio eu, de aproximar as pessoas, criando novos e duradouros vínculos de convívio. Assim sendo, gostaria de saber o que significou, e ainda significa, a dedicatória que o escritor Roberto Drummond fez especialmente pra você, nos EUA, em seu livro de maior sucesso, que foi "Hilda Furacão", mais tarde transformado em minissérie de televisão, em novo sucesso que repercute até os dias atuais? (Pedro Ramúcio)

RL - Ramúcio, eu estava bastante ligado a Roberto Drummond quando ele escreveu Hilda Furacão. Na verdade, Roberto já havia gastado o adiantamento da Editora Siciliano para que entregasse o romance O Cheiro de Deus, mas ele não conseguia terminar o livro, numa epopéia que já durava mais de dois anos. Hilda Furacão surgiu quando ele já temia o envolvimento dos advogados da editora, que pagara e não levara o que foi combinado. Aí ele escreveu uma crônica no jornal Hoje em Dia, contando a história de uma moça da “alta” sociedade mineira, que largou tudo pra viver e dar expediente na Zona de Altíssimo (rs) Meretrício, em BH,. E a crônica fez muito sucesso. O livro Hilda Furacão ficaria pronto em menos de dois meses, a editora aceitou a lebre pelo gato e O Cheiro de Deus aconteceria, algum tempo depois. E Hilda Furacão foi um sucesso estrondoso.A dedicatória no livro foi uma demonstração de carinho, um gesto de amor, que guardo com muito zelo no lugar mais puro de mim. Aqui mesmo, no músculo da emoção.

RV - Você testemunhou a derrubada das Torres Gêmeas, em Manhattan, Nova Iorque, episódio de triste lembrança que completará 10 anos agora em 11 de setembro. Esse fato marcou mais a quem: ao jornalista, ao escritor (cronista, poeta, letrista e futuro romancista), ou ao cidadão cotidiano e tributável Carlos Roberto Lima? (Pedro Ramúcio)

RL - Ramúcio, meus olhos não acreditavam na cena, que parecia saída de um filme de Hollywood. E eu achava que a qualquer momento Bruce Willys ou Sylvester Stalone apareceriam para nos salvar, como num filme. Mas eles não vieram e eram reais aqueles canudos de fumaça sujando o azul daquela manhã. Não, a minha vida nunca mais foi a mesma. Todos os aspectos de minha vida foram profundamente afetados. E acho que o mundo também nunca mais foi o mesmo, desde então.

RV - Roberto, confesse pra gente: Pedra Corrida e, por extensão, Governador Valadares, que um dia você deixou para trás, ainda muito jovem, para ir tentar a vida na América, são apenas uma fotografia na parede? Quantos por cento de sua infância e juventude você ainda carrega em seus ombros que suportam o mundo? (Pedro Ramúcio)

RL - Nunca deixei de ser um menino de São Raimundo, Ramúcio. Muito mais que uma fotografia (e ela existe em meu escritório, sim), este universo aí é o alicerce da pessoa que eu sou. Antes de pisar na Quinta Avenida, meus pés pisaram, descalços, o chão batido da Rua Topázio, em direção ao Rio Doce para meus banhos na Biquinha, e meus lambaris. Pedra Corrida é, na verdade, apenas duas palavras na minha certidão de nascimento. Saí de lá ainda bebê, e só retornaria aos 40 anos de idade, tentando ver se ainda havia algum pedaço meu por lá. E não encontrei um único vestígio sequer.

RV - Roberto Lima, como foi que você percebeu que se acomodava melhor no formato da crônica e o que há de poesia nisso? (Marcos Pizano)

RL - A crônica veio da necessidade de o meu jornal possuir um cronista, naquele início das coisas. Mas eu já escrevia crônicas em Governador Valadares, bem moço, ainda. Você mesmo publicou algumas crônicas minhas, quando era editor do caderno de Cultura do Diário do Rio Doce. Aliás, você foi uma das primeiras pessoas a mostrarem ao mundo um texto meu. Prosa ou poesia. A culpa é sua, Pizano! E a poesia, eu quero crer, está espalhada, aqui e acolá, nas crônicas que escrevo. É tudo o que restou daquele poetinha cabeludo e irreverente, que participava com você daquele momento marcante na vida da cidade. Posso estar enganado, mas acho que Valadares nunca mais viveu outro momento igual àquele.

RV - Quando é que você desiste de uma crônica? (Marcos Pizano)

RL - Quando ela desiste de mim, Marquinhos. É o texto que escolhe o escrevinhador, e não o contrário. Quando não é um lance forçado, a crônica nasce naturalmente, e vai se escrevendo, por si. O escrevinhador é veículo, ponte entre texto e leitor.

RV - Como lidar com as interferências das mídias digitais e interativas nos movimentos e nos conteúdos literários? Há risco de alguma concessão indevida em prejuízo da arte? (Marcos Pizano)

RL - Não acho que exista prejuízo ou concessão. Na verdade, eu acredito que cabe ao leitor separar joio e jóia, Marquinhos. Muito mais que democratizar tudo, estas novas mídias socializaram a escrita. Escreve quem quer. Lê quem quer. A vitrine está exposta 24 horas por dia. Graças a elas, às novas mídias, todo mundo pode ser lido a qualquer momento, e em qualquer quadrante do planeta. Já não somos mais escravos do papel. E nem estamos à mercê das editoras e seus interesses.

RV - O jornalismo é teu ganha-pão - se tivesses permanecido no Brasil, serias escritor? (Líria Porto)

RL - Lírica, pela vontade de meu pai, eu seria um militar, como ele. Penso muito nisto, do que teria sido se ainda estivesse por aí. E é muito provável que eu achasse um jeitinho de sobreviver das palavras que fosse escrevendo, ainda que tivesse que passar uns anos no purgatório de alguma repartição pública. Milico, eu sei que não seria. Tenho esse osso vagabundo, boêmio, na espinha, e passaria a maior parte do tempo preso, penalizado pelos meus abusos e deslizes.

RV - Um escritor tem mais chances literárias no Brasil ou nos Estados Unidos? (Líria Porto)

RL - Infelizmente, a indústria da literatura, enquanto geradora de produto de consumo das massas, nada mais é que um clubinho, onde apenas uma meia-dúzia tem direito à carteirinha de sócio. Aqui, aí, acolá (e além!), a cantiga é exatamente a mesma. Só muda a moeda de troca. E o tamanho das injustiças.

RV - Já fizeste versos - tua veia poética foi cortada? A que atribuis isto? (Líria Porto)

RL - Acho que a veia "entupida" se deu pelo compromisso diário com a notícia. A caçada cotidiana de manchetes impactantes e que satisfizessem o apetite do leitor do meu jornal acabaram roubando de mim um contato mais puro e direto com a palavra. É como se a poesia quisesse me castigar pelo sacrilégio de tê-la traído com um punhado de sangue borrifado numa folha de jornal. Só pode ser castigo, Líria.  Mas vou fazer um cateterismo poético. Qualquer dia destes faço uma angioplastia de rimas e versos.

RV - Roberto, o outro Roberto, o Piva, disse certa vez que o objetivo do poeta é fazer com que as pessoas desejem uma imagem diferente das coisas. Então, acredito que poesia é subversão. E a crônica... Qual é o objetivo dessa "moça"? (Adriana Araújo)

RL - Essa moça, Adriana, nada mais é que um outro olhar do escrevinhador. Ela é mais factual do que a poesia e, nisto, eu a vejo mais moderna e mais dinâmica, oferecendo mais saídas. É uma moça menos pura, também. A crônica é mais promíscua, eu diria. O objetivo e justificativa talvez sejam conferir leveza a fatos cotidianos, de somenos importância. É como se a poesia resolvesse as coisas mais sérias e a crônica, superficialidades da alma humana. Felizmente, para a crônica, apareceram uns caras como Rubem Braga, que transformava a queda de uma folha de uma árvore num espetáculo mais deslumbrante que o de uma escola de samba incendiando a Marquês de Sapucaí. Foi assim que "essa moça" mostraria serventia na pena dos Rubem Bragas, dos Fernandos Sabinos, dos Armandos Nogueiras, dos Drummonds desta vida.

RV - O que tu achas que está mais presente na tua escrita: as certezas do "Hemisfério Norte" ou as saudades de Minas? (Adriana Araújo)

RL - Alguns leitores comentam bastante isto de eu ter os dois pés plantados em Minas, apesar de viver há tanto tempo em outro país. Poeticamente - e já discordando -, parece que tenho os pés num lugar, e o coração noutro. Kiko Salles, um amigo daqui (e daí, pois também é mineiro), costuma dizer que minha retórica nostalgista faz de mim uma espécie de gigolô da saudade, aquela que todo emigrante brasileiro sente do lugar de onde veio.

RV - Nascido no fiozinho de luz da lamparina, lá em Minas Gerais, mas cedo embarcado na aventura do jornalismo nos EUA. Hoje sentes-te mais seu Roberto ou Mr. Robert? (Jorge Pimenta)

Nhô Roberto, Jorgíssimo. Como dizemos lá em Minas. Eu falo inglês com sotaque de mineiro, e já nem preciso de análise para separar uma coisa e outra. Água e óleo não se misturam.

RV - Nunca soube onde começa e acaba a verdade, e mesmo dos mitos, por serem tão grandes que são tudo, sinto-os na pequenez dessa justa proporção. Serve o intróito para te perguntar se a opinião que o mundo constrói dos EUA e dos americanos, em geral, na relação com o mundo (despótica, autoritarista e muito interesseira) corresponde, em rigor, ao que percepcionas? (Jorge Pimenta)

RL - A visão que se tem, de fora pra dentro é, ao meu ver, deformada e acurada, justa e injusta, como um todo. O jogo do poder, o do mundo dos homens de gravata é extremamente cruel e é igual em todo lugar. E esse é o jogo que jogam no planeta inteiro. Seja em Portugal, no Brasil, no Komala... Quem tem a boca maior, engole o outro. É a velha fome e sede de poder, que faz da raça humana um arremedo do que queria ter criado Deus. Infelizmente, já faz muito tempo que a política exterior deste país em relação ao resto do mundo é a grande responsável por muita desta justificável antipatia.

Esta imagem de xerife do planeta acaba impedindo que o mundo veja que este é um país formidável, de belezas naturais inquestionáveis e que tem um povo lindo e misturado, vindo de toda parte do mundo, feito de gente trabalhadora, batalhadora, na acepção mais profunda da palavra trabalho. O mesmo país que fabrica bombas e idiotas como George Bush, deu ao mundo o jazz, o cinema, a poesia beatnik e a alegria do Rock and Roll. E tantas outras coisas boas.

RV - Sei que a poesia, a par da música, é um dos territórios em que mais profundamente fazes assentar as tuas raízes de homem e cidadão. Qual é a verdadeira extensão destas duas formas de arte na tua vida? (Jorge Pimenta)

RL - Eu não vivo sem música, sem o encanto das palavras. Leio todos os dias. Escuto música todos os dias. Por mais que precise de água, comida e ar, minha sobrevivência ficaria comprometida se me tirassem os versos e as canções.

RV - O que farias, em situação-limite, para reveres e ouvires os Trovante de novo, à beira-rio, em terras de Viriato? (Jorge Pimenta)

RL - Jorgíssimo, o Trovante faz parte da minha história. Num momento em que eu achava que a música portuguesa era feita apenas de Robertos Leais, descobri preciosidades como Sérgio Godinho, Vitorino, Zeca Afonso e o Trovante, a meu ver, o maior grupo pop de "língua" portuguesa em todos os tempos. Se o Trovante se reunir novamente e fizer um novo concerto, eu vou a Portugal. Nem que tenha que vender um rim.

RV - Roberto, sinto que suas crônicas partem da observação do cotidiano, das gentes comuns das ruas, das pequenas coisas do universo. Diante disso, pergunto qual a influência que o cotidiano de Minas exerce nos seus escritos, especialmente a cidade de Governador Valadares? O que Valadares tem de tão especial para você? (Paulo Jorge Dumaresq)

RL - Paulo Poeta, Valadares é o início de tudo. E eu jamais pensei, crescendo, que fosse viver fora de lá. Não me via fora de lá. Sou um peixe que aprendeu a respirar fora d'água. Valadares é a minha Passárgada.

RV - Por falar em influências, quem são os jornalistas e escritores que lhe serviram/servem de referência ou inspiração até hoje? Você acha que a inspiração é um sopro divino? (Paulo Jorge Dumaresq)

RL - Na literatura, embebedei-me de Augusto dos Anjos, Drummond e Roberto Drummond, Camus, Pessoa e Rubem Braga. E bastaria apenas um deles para mudar minha vida para sempre. No jornalismo, antes tínhamos Cony, Joel Silveira, Armando Nogueira.... A gente lia crônicas de Drummond, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos nos jornais, todos os dias... É estranha esta sensação de que os grandes jornalistas foram extintos, como os dinossauros.

Hoje, os bons textos estão à serviço da publicidade, das grandes corporações ou assessorando políticos. Nem que fosse pra salvar a pele eu conseguiria citar um único nome. Os jornalistas proeminentes do Brasil, hoje, são aqueles que mostram a cara na telinha. E acho isto menor, observando com um olhar mais purista, mais justo.

RV - Você mora há um bom tempo nos Estados Unidos, na cidade de Newark. Como sobrevive culturalmente num universo tão diferente e distante do seu? O que você faz para encurtar esse fosso cultural entre a América protestante e a católica abaixo do Equador? (Paulo Jorge Dumaresq)

RL - Desta fome eu não morro, Paulinho. Newark está a apenas 20 minutos de Nova York. E é grande a oferta de bons espetáculos. Desde clubes de jazz e blues, peças da dramaturgia contemporânea ou universal ... musicais da Broadway, os grandes shows de rock, pop e do que mais existir... Milton Nascimento se apresentou aqui, ainda outro dia... E eu perdi, porque estava vendo a Sade, a poucos quilômetros do teatro onde Bituca en-cantava. Nova York é, nos dias de hoje, o quintal cultural do mundo... Você adoraria isto aqui.

RV - Roberto, como é levar Minas no interior de si para o exterior (do país), especialmente para os EUA, cuja cultura parece ser bem distinta da nossa? Afinal, como se diz, a gente sai de Minas mas Minas não sai da gente. É isso mesmo? (Wilson Pereira)

RL - É verdade, Wilson. Você está em Brasília, mas sempre que leio suas coisas ponho os pés em Coromandel. Não importa onde estamos, carregamos sempre nossa herança genética, nossa memória afetiva, nossas açucenas, nossos sabiás. Quem estiver prestando atenção, nos perceberá. Nova York não é, neste sentido, diferente de Brasília. Ou Quixeramobim, no Ceará.

RV - Tenho acompanhado suas crônicas no Blog "Tertúlia Pão de Queijo".Tornei-me seu leitor assíduo e admirador. Mas ainda não sei se você tem livro publicado. Se tem como fazer para adquiri-lo? (Wilson Pereira)

RL - Tenho dois livros publicados, Colosso Ciclone (a 4 mãos com o tertuliano Bispo Filho) e Tango Fantasma. Ambos, há mais de 20 anos. Como pode ver, desde então, quase nada aconteceu. Estes dois livros viraram poeira, Wilson, e não foram reeditados. Confesso que não possuo um único exemplar, de nenhum dos dois. Nem pra remédio, como diríamos lá nas nossas Gerais.

RV - Além de cronista, você é também poeta, não é mesmo? Quais são os projetos literários? (Wilson Pereira)

RL - A poesia desertou de mim. É aquela namorada que fugiu com outro. Que fugiu com você, Wilson. Futuramente, eu quero reunir algumas crônicas em livro. Afinal, são mais de 20 anos publicando semanalmente no Brazilian Voice. Deve ter alguma coisa mais palatável no meio disto tudo. Mas isto me parece tão distante. Bem mais próximo, no entanto, está o meu desejo de reunir o trabalho dos autores da Tertúlia Pão de Queijo em livro. E realizar um lançamento em cada cidade onde cada um dos tertulianos residir. O que você acha da idéia?

RV - Você tem acompanhado a literatura brasileira aí nos EUA? Recentemente o Woody Allen se declarou leitor do Machado de Assis. Tem mais algum brasileiro sendo lido por aí? Paulo Coelho não vale. (Wilson Pereira)

RL - Ontem eu almoçava com amigos e falava de minha antipatia por Woody Allen, a quem chamei, depois do quinto chope, de Didi Mocó Yankee, pelo fato de que seus personagens sempre engatam uma mocinha linda e bem mais jovem, como o personagem de Renato Aragão, em Os Trapalhões. Não sabia que ele gostava de ler Machado de Assis, o que não me surpeende. Woody Allen é um homem muito culto, sabemos. Já esbarrei nele em situações cotidianas, por aqui, e tenho sempre vontade de desarrumar o penteado dele, quando o vejo. O mundo ama e admira Woody Allen. Eu, às vezes, trafego na contra-mão das coisas. E, já que Paulo Coelho não vale, e nem é escritor.... rs ... Não tenho outro nome para citar.

RV - As tuas crônicas revelam um lirismo profundo, uma verdadeira alma de poeta. Se não me engano você já publicou poesia. Como foi essa experiência e onde mora a poesia na escrita do Roberto? (Assis Freitas)

RL - Zé de Assis, a poesia reside no fato de que a vida, sem poesia, não tem a menor graça. A vida só passou a ser em technicollor após o nascimento da poesia. Até então, era tudo em sépia. Pode perguntar a Noé. A publicação de meus livros foi prematura e despretensiosa. E eu era ingênuo demais. Quando me perguntam sobre aqueles livros, eu costumo responder que os publiquei para ver se arranjava umas namoradas, já que não era um moço muito vistoso e sem grana. Foi a melhor desculpa que encontrei. Devo ter publicado por vaidade, por ser afoito, por não saber melhor. Hoje eu pensaria mil vezes, antes de assumir uma responsabilidade tão grande. E é, viu? Publicar um livro é uma grande responsabilidade.

RV - Como é habitar um país estrangeiro com esse alforje de mineiro que tu carregas? (Assis Freitas)

RL - O Renato Braz, na primeira vez que esteve em minha casa, comentou que era absolutamente inverossímel o lugar onde eu vivia: uma casa colonial enorme, num subúrbio, no meio do nada (mas a 40 minutos da Ilha de Manhattan), rodeado de árvores e animais silvestres. Ele se sentiu como se estivesse dentro de Minas, uma pequena Minas, um pequeno Brasil dentro de um país estrangeiro. Quadros de Poti e Marina Jardim na parede, peças de artesanato do Jequitinhonha espalhadas pelos quatro cantos, pedaços do barroco mineiro aqui e acolá, MPB tocando sem parar, uma biblioteca de volumes brasileiros.... pão de queijo assando no forno, um bar com 80 tipos de cachaça da região de Salinas... Minas Gerais é a minha casa de caramujo. Onde vou, eu a arrasto comigo.
RV - E o teu projeto de romance, empacou ou está apenas adormecido? Do que trata ele, tem como tema o memorialismo? (Assis Freitas)

RL - Empacou, Assis. Ultimamente, tudo empaca. Pode ser apenas uma fase, mas pode ser pra sempre. De uma forma ou de outra, quero crer que seja para o meu bem. Na verdade, comecei a escrever dois romances. Um deles, memorialista, contando estórias de emigrantes brasileiros nos EUA. Seria narrado na Primeira Pessoa, falando da senhora pernambucana que lava cadáveres numa funerária do Bronx, do carioca que é cobaia profissional (recebe dinheiro dos laboratórios para experimentar remédios novos), da mineirinha que dança num Go-Go bar de Newark... coisas assim. Já o outro, mistura de realidade e ficção. Perdeu-se em neblina, envolta na minha inabilidade de inventar. Contei, sem ter que assassinar você, Zé de Assis.

RV - Gostaria que tu falasses da relação com o Roberto Drummond. Em uma das crônicas que li percebe-se um intenso grau de afinidade. Como era esse diálogo de amigos escritores? (Assis Freitas)

RL - Ali era uma coisa de pupilo e mestre, uma relação paternal, feita de grande admiração, de respeito e carinho. Ele dava palpite nas minhas coisas, apontava os vícios, os erros, mas não se metia, no sentido de imposição. E eu era um "gandula" dele. Lembro-me que um dia tive uma idéia para um romance e fui contar pra ele, que tapou-me a boca com a palma da mão (estávamos tomando um chope num bar de BH):
- Não conte, porque se a estória for boa, você vai ter que me matar.

RV - Roberto, apesar de viver nos EUA, suas crônicas são um mergulho na cultura brasileira, sobretudo a mineira. Essa produção se dá através da memória, da invenção, do que você lê e ouve de amigos que vivem aqui? Enfim, como você se alimenta da cultura brasileira para produzir seus textos? Além disso, que aspectos da cultura estadunidense você incorpora em sua produção literária ? (Nina Rizzi)

RL - Nina, pura e exclusivamente da memória. Só consigo falar daquilo que vi, vejo, sinto ou senti. E é natural que o cotidiano da vida de um emigrante brasileiro neste país estejam presentes em meus textos, ainda que apenas como pano de fundo. E, sim, eu me alimento e me renovo na influência das coisas que li e leio. Graças ao milagre da internet, hoje posso ter um contato mais direto com os novos autores brasileiros, e apreciar o trabalho que desenvolvem. É uma gratíssima surpresa ter descoberto que a literatura brasileira se renova com muito vigor.

RV - Apesar de não se considerar poeta, há em suas crônicas altas doses de lirismo e poesia. Como você se apropria da linguagem poética em suas crônicas? Quando vai nos brindar com seus poemas, até então, impublicáveis? (Nina Rizzi)

RL - Eu comecei na literatura escrevendo poesia, Nina. Depois, quando migrei para a crônica, minhas roupas continuaram impregnadas de poesia. E é natural que aqui e acolá, num texto meu, caia algum pinguinho dela entre as palavras que colho. Fica aqui a promessa: no dia em que escrever um poema quase tão bonito quanto os de Nina Rizzi, eu publicarei um livro.

RV - Outra dimensão muito presente em seus textos é a amizade; sempre há citações de pessoas e vivências, ficando claro o seu carinho e generosidade. Fale-nos um pouco sobre amizade e como ele é importante no seu fazer literário. (Nina Rizzi)

RL - A amizade é o tipo mais puro de amor que existe. Salvo raríssimas exceções, não tem sexo envolvido na amizade, não tem grana, não tem nada que corrompa. Não existe o fator hereditário na amizade. Amigo é aquele irmão, irmã, pai, mãe, que nos permitimos escolher. Não é imposição da vida. Amigo é escolha. E, como sou gregário e não consigo andar sozinho, carrego essa turma comigo até nas bobagens que escrevo.

RV - Sabemos como deve ser difícil, em diversas situações, ser brasileiro nos EUA. Você se sente um despatriado, um estrangeiro? Pela leitura de suas crônicas, imaginamos que se sinta identificado com o Brasil, isso ocorre em todas dimensões?  E as pessoas, o veem como brasileiro ou você é um estrangeiro na própria terra? (Nina Rizzi)

RL - Vivi mais da metade de minha vida aqui nos EUA, Nina. Acho que me adaptei e até consigo ser feliz. Além do mais, este é um país de estrangeiros. Pocahontas não é avó de 99% população americana... Cheguei muito jovem – eu tinha recém-completado 21 anos – e tive que “aprender no serviço” o ofício de ser uma pessoa, um cidadão, apesar de minhas mais gritantes deficiências e limitações. Aqui serei sempre um estrangeiro, mas confesso que, às vezes, eu me sinto estrangeiro até dentro da própria casa de meus pais, em Minas Gerais. Eu, que sou de tantos lugares, às vezes me sinto como se não fosse de lugar nenhum.
RV - Roberto, creio que se pode dizer que você é um cosmopolita, vive na região metropolitana da principal cidade do mundo e, digamos, numa ponte entre duas culturas. No entanto, em diversos textos seus sinto a presença forte de algo que se poderia chamar, na falta de termo melhor, de certa nostalgia. A partir disso, que pode ser uma impressão errônea minha, eu lhe pergunto:
 - Você sente eventualmente alguma melancolia de “exilado”? Minas é a sua Ítaca ou há o risco de permanecer definitivamente junto à Calipso? (Marcantonio)

RL - Marcantônio, moro do lado de cá do Rio Hudson, em New Jersey, mas todas as vezes que vou a Nova York, parece a primeira vez. E vou bastante lá, para comer com amigos, a trabalho ou mesmo para algum showzinho. É uma cidade interessantíssima. Tom Jobim dizia que a melhor maneira de conhecer Nova York é de maca, deitadão, olhando os prédios... Mas eu acho que é muito mais do que isto. Na verdade, eu não passo de um jeca solto por aqui, não perdi o olhar de contemplação.E tenho vários ossos melancólicos em meu corpo, sim. Sou nostálgico, como aquele cachorro andando em círculos, tentando morder o próprio rabo. E Minas é tudo pra mim. Tenho saudade de Minas até quando estou em Minas.
 RV - Embora você more nos EUA, um inevitável observador da vida americana, não há em suas crônicas, ao menos nas tantas que já li em seu blog, a presença expressiva do modo de vida americano como tema. Por quê? (Marcantonio)

RL - Olha, acredito que o motivo seja o fato de eu escrever num jornal feito para emigrantes brasileiros, e o Brazilian Voice é uma espécie de ponte entre os brasileiros que vivem aqui e o Brasil. No fritar dos ovos, este universo estadunidense acaba servindo apenas como pano de fundo para as coisas que escrevo.

RV - Qual é, a seu ver, o grande tema da literatura? (Marcantonio)

RL - Acho que qualquer coisa é tema para a literatura. Falei nesta entrevista de Rubem Braga, que transformava a queda de uma folha de árvore num espetáculo da Broadway. É mais ou menos por aí. E cada um tem a sua maneira de fazer isto.

 RV - Eu admiro demais a forma dos seus próprios comentários no seu blog, acho até que eles têm estilo, uma forma de coloquialidade muito criativa, espirituosa, bem-humorada. Considerando a coisa do humor comente esta frase de Oscar Wilde: “A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela, também." Você acha que é realmente possível perder um amigo com uma piada? Ou se isso ocorrer será porque não havia de fato amizade? (Marcantonio)

RL - A pessoa que não possui a capacidade de rir de si próprio, está no planeta errado, Marcantonio. Mas já perdi uma possibilidade de amizade por causa de uma piada, sim. E conto aqui:
Nill Cruz era jogador da seleção brasileira de handebol e migrou para a música. Ele estava fazendo uma temporada por aqui e me convidou para ir com ele a Nova York ; seria uma reunião com uns israelenses, que queriam levá-lo para um festival em Tel-Aviv. Ele achava que minha presença iria ajudá-lo a fechar o negócio. O almoço foi uma delícia, divertidíssimo, meu artista já estava com um pé em Israel, quando os dois judeus começaram a contar piadas, casos engraçados, e eu embarquei na onda. Lá pelo ducentésimo chope, um deles mandou aquela manjadíssima do "quantos elefantes cabem num fusca". Fingi que não sabia, e eles fecharam com os tradicionais "três atrás e dois na frente". E aí foi minha vez de perguntar quantos judeus cabiam num fusca. Não sabiam. Mandei um eloquente "cento e cinco". Como? - quiseram saber: Três atrás, dois na frente, e cem no cinzeiro. Os caras levantaram-se da mesa e foram embora, meu amigo não foi contratado e eu ainda tive que pagar a conta.  Fechando: acho que o grande barato de fazer o blog está exatamente nesta prosa que se desenrola entre os frequentadores, ali, na sessão dos comentários. Ali, já cimentei amizades preciosas, pessoas que guardo e guardarei comigo enquanto eu respirar. Amizades como a sua, por exemplo.
RV - De escritor para escritor. Você escreveu recentemente: "já que não consigo produzir nada digno de nota, publicarei as pessoas que admiro." Se nada seu tem sido, de fato, digno de nota, que nota você daria ao escritor Roberto Lima? (Tuca)
 
RL - Uai, Claudio... Pergunta difícil não vale.  Sei lá... Será que mereço um cinquinho? Todo cara que coloca a bunda numa vitrine merece, pelo menos, um cinco. Eu me dou um cinquinho. Mas sei que aparecerá uma legião me dando bem menos.
RV - De jornalista para jornalista. Quando comecei na profissão, meu editor dizia: "Leia jornal todo dia. Se não der para ler tudo, leia ao menos os principais cronistas" (à época, Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Clarice, Cecília, Drummond etc.). Esse conselho traduzia o conceito de que escrever bem era o dever primeiro de um jornalista. Você acha que isso mudou, que é possível bem informar sem saber, por exemplo (como se vê hoje em textos de muito jornalista), relativizar a conexão das idéias, por emprego aleatório de o qual/ no qual/ do qual/ pelo qual/ com o qual/ para o qual ?  (Tuca)

RL - Cláudio, os bons textos estão a serviço do dinheiro, dando assessoria a políticos, trabalhando em agências publicitários, e por aí afora. O compositor Belchior me disse, na última vez que conversamos, que já não existem jornalistas de verdade, pois o que vemos, hoje, são "chupadores de releases". E quem faz esses releases, quem são os chupadores que "chupam"? O bom texto ainda existe, só não está a serviço dos jornais, como já foi um dia. A pessoa entra numa universidade e aprende a produzir um texto que é como receita de coca-cola. Todos, ou quase todos, possuem a mesma textura, "cheiro", e o mesmo sabor. A menos que me provem o contrário, as universidades são as maiores fábricas de desinspirados, de que tenho notícia. E o tempo é senhor de todas as verdades.



Participaram dessa roda de entrevistadores:


Tertulianos: Fouad; Maria Paula Alvim; Wilson Nanini; Bispo Filho; Wilson Pereira; Marcos Pizano; Líria Porto  http://tertuliapaodequeijo.blogspot.com/

Tânia Regina Contreiras - http://roxo-violeta.blogspot.com/















26 comentários:

Batom e poesias disse...

Adorei cada pergunta e ainda mais todas as respostas.
Roberto, bem sabes que sou uma das tantas admiradoras de que Fouad falou.

Dou nota 10 procê e pra Tania.

Bjs
Rossana

Tania regina Contreiras disse...

Agradeço à moçada que participou da entrevista, poetas, escritores, amigos do Roberto Lima, tertulianos unidos e entusiasmados, e ao grande Tuca, que sem ele fica faltando muito, viu, Tuca? rs

Unknown disse...

moço, o Roberto tem muita estrada e dois livros - um colosso - que eu não sabia. sabe beber dos amigos e das palavras, é um cabra de boa prosa

abração Roberto

p.s. Beijo, Tania (idealizadora e mentora dessas entrevistas fantásticas)

na vinha do verso disse...

Comentava com o Bispo certa vez que existem pessoas com as quais a gente tromba na vida e delas nunca mais desgarra. Gente pelas quais cristalizamos profunda amizade, nas quais confiamos com serenidade. Você é uma delas... Betoímã (rsars)

o blog está ótimo
as entrevistas deliciosas
todos de parabéns

Zélia Guardiano disse...

Adorei saber mais sobre o Roberto, através desta entrevista tão bem feita!
Estão todos de parabéns: a idealizadora Tãnia, todos os entrevistadores e o entrevistado.
Abraço apertado para cada um.

lula eurico disse...

Mais uma excelente entrevista. Aqui se aprende com boa prosa.

Parabéns aos entrevistadores e ao entrevistado.

E a vc Tânia, muito obrigado.

Unknown disse...

SHOW de Roberto e Tânia!

Muito bom poder conhecer mais, meu mano. Esse cara sempre foi assim!

NOTA DEZ Roberto e Tânia!

Beijos

Mirze

fouad talal disse...

beto é um conquistador!
cativa a gente como ninguém.

beijo nocê fiote, saudade demais viu?
tânia, mais uma vez arrebentando a boca do balão!

ótimas vistas-entre-vistas!
ft

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Bela a entrevista com o nosso querido Roberto Lima. Parabéns estrelado a Tânia pela iniciativa, aos entrevistadores e ao Bob pelas respostas inteligentes e esclarecedoras. Adorei conhecer mais sobre o nosso cronista maior e o que ele pensa a respeito das coisas desse nosso mundo. Bjs a todos.

Luciana Marinho disse...

tudo está nesse trechinho: "Melhor ainda: não endureci". a beleza da entrevista e do roberto :)

beijos a todos!!

Claudinha Antunes BA disse...

Amiga!
Você está melhor? Espero que sim!!

O Roxo Violeta está um "freje" só!
Que delícia, do jeito que eu gosto...rs...
E vc bem sabe que sem arte minha sobrevivência tb estaria seriamente comprometida, melhor, eu não teria sobrevivido...
Bjs com carinho!

Anônimo disse...

Tio Robertinho é um querido, piadista, cronista dos mais poéticos que já vi, e sua entrevista me deixou a lê-lo como fico no seu blog, grudada nas palavras intimistas das suas histórias tão bem liricamente contadas.
Muito orgulho desse escritor que adotei como tio.

Beijos.

Primeira Pessoa disse...

larinha: pro tio roberto, esse gesto de carinho da tânia, foi mais importante que uma entrevista no new york times.

luciana: cê é suspeítissima pra falar de "muá"... nós nos gostamos muito, tanto, desde sempre... e eu sou fã de você, de sua máquina lírica.
mas vale o afeto. always!

fouad: cê é um menino lindo. gostei de você bem antes de comermos aquele ranguim senvergoinzim que cozinhei procês em betim. estamos firmíssimos pra outubro. bh nunca mais será a memsa. to tramando umas coisas bacanas... me aguarde!



paulo poeta: ainda tomaremos um porre juntos. em natal, em bh... seja onde for.
cê encara a parada?

mirze: cê é uma linda. generosa. amiga. parceiraça. saiba!

eurico: tânia contreras faz acontecer estes milagres.


zélia... você já sabe tudo de mim. adoro você.

pizano, seu trocadilho é campeão. nossa amizade, desde aqueles idos, sabemos, é pra sempre.

assis: tá de pé aquele convite pra outubro. vai querer, ou vai correr?

rossana: tá de pé aquele jantar. juntaremos a turma toda. bora lá?

tânia: sem palavras, a sua generosidade. seu carinho. a história continua. o trem da história nào pára.
jamais.

olhar de lambe-lambe disse...

sem dúvida uma entrevista pra lá de poética, cheia de mineirice, repleta de afetos e gentes da mais alta qualidade.
parabéns pela trajetória, Roberto! e principalmente por manter a simplicidade e o pé no chão, literal e metaforicamente :)
beijos.

Machado de Carlos disse...

Coisas importantes nesta entrevista, principalmente quando ele demonstra que os “blogs”, são verdadeiros livros de portas abertas, haja vista que em meu “blog” estão grafados parte dos meus sonetos que voam através dos últimos anos. A lembrança da música brasileira, colocando-a patamar superior. Vale lembrar que dentro da mente de um compositor existe grande alma poética.

Grande entrevista. Aprende-se muito com ela.

Beijos

Tania regina Contreiras disse...

Beto, sou suspeita, porque sou hiperfã do Roberto Lima, mas, nossa, a fila é grande, vc é queridíssimo e beneficiei-me dessa energia boa que essa moçada derramou sobre vc! :-) Sempre bom conhecer mais de nossos poetas mados...

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Querida amiga

Gosto das entrevistas,
onde a partir
de perguntas repletas
de sentidos,
revela-se muito da essência
de quem tem o dom
de espalhar palavras.

Viver é sentir os sonhos
com o coração.

Marcantonio disse...

Bom demais! Com todos os ingredientes que tornam a leitura imperdível: afeto, empatia humana, idéias, memória, história, bom-humor,senso-crítico, lucidez e poesia. E transpira sinceridade, sem impostação.

E além de tudo revela uma história de vida fascinante, inconformista, de uma personalidade riquíssima.

Parabéns, Roberto!

A você também, Tânia, grande catalizadora, e aos entrevistadores inspirados!

Abraços a todos!

Bípede Falante disse...

Super bacana essa entrevista :)
beijoss

Jorge Pimenta disse...

taninha,
quem por aqui pare, acaba despido. e a responsabilidade é toda tua, sabias? :)
entre viagens e romagens incompletas, detenho-me diante deste roxo-violeta que homenageia alguns dos maiores desta nossa tertúlia ímpar.
um abraço imenso para ti, promotora da iniciativa, para o roberto, amigão inteiro, e para todos aqueles que dão sentido à palavra!

Primeira Pessoa disse...

bípede: bacana mesmo é a participação de pessoas tão queridas, amigos que eu ainda não conhecia.

marcantonio: suas palavras me deixam muito feliz. saiba que a admiração é recíproca e, arranjemos, um dia, de nos abraçarmos ao vivo e à cores, seja na paraíba, seja em bh ou em Cabul.

Aluisio: bela, a sua frase. viver é sentir os sonhos com o coração.

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

não sabia desse autor, por e com vc ele me chegou, fui lá no blog dele e gostei,
abraços

Anônimo disse...

Tânia: Adorei a entrevista acho muito bem feitas as perguntas e também as respostas, mas também não deve ser coisa facil entrevistar um jornalista e escritor.
Beijos
Santa Cruz

Anônimo disse...

Gostei muito da sua entrevista, Roberto. Você é super mesmo!!! Abraço grande!!! Sérgio Nunes.

Sérgio Nunes disse...

"Tenho saudade de Minas até quando estou em Minas" - só mineiro consegue entender a fundo esta sua frase, Roberto, e eu sou um! rsrs Olha, eu não precisava ler a sua entrevista pra constatar que você é maravilhoso, mas li e constatei uma vez mais. Parabéns! Gostei demais!!! Beijão! Sérgio Nunes.

Celso Mendes disse...

Mais uma entrevista que merece excelente com um grande escritor. Parabéns pela iniciativa Tânia e, evidente, ao entrevistado, que pode mostrar um pouco do que é e porque é.

Excelente!