O ascendente é Peixes, Netuno está bem em cima do meu sol, a bioenergética define-me como esquizóide e sei lá quantas outras explicações já vieram socorrer essa necessidade vital de ter, em alguma hora do dia, que parar e...sonhar! Sonho, delírio, arrebatamento, deem o nome que derem àquela horazinha do dia em que é preciso mergulhar em minúcias insignificantes, absolutamente dispensáveis aos sujeitos pragmáticos.
Um dia qualquer cismei em encontrar o instante exato em que o dia desaparecia para dar lugar à noite. Sim, porque a coisa vai acontecendo lentamente, o sol vai desaparecendo aos poucos, a tonalidade dos céus vai se alterando, ruídos de insetos começam a anunciar a chegada da noite...mas haveria de existir, claro, o instante em que dia e noite se encontravam e se tocavam rapidamente, numa despedida breve e imperceptível aos nossos sentidos não apurados.
Abri a janela e determinei-me a encontrar esse instante fugidio que não fosse nem dia nem noite, ou que fossem ambos, fundidos, luz e treva olhando-se frente a frente, um desvanecendo-se outro imprimindo sua marca sobre uma parte da terra. E assim me deixei ficar, atenta, esperando a revelação do minuto exato desse encontro veloz que meus olhos nunca viram.
Inadvertidamente, em alguns momentos a atenção desviava-se para o reflexo do meu próprio rosto no vidro da janela, inteiramente aberta. Sim, já não era o mesmo rosto de alguns anos atrás, a candura do olhar cedera espaço a uma espécie de malícia recém-descoberta e ainda sem ter encontrado pra si uma utilidade. Num dia qualquer, que agora me parecera tão distante, havia um rosto de menina espantada que me olhava no espelho e me perguntava sobre os primeiros mistérios da vida. Não, mas agora ele já não estava lá. A mulher que me olhava do reflexo da janela já encontrara um sem-número de respostas e avançara demasiado nos caminhos virgens de outrora. Envelheci. Mas...quando exatamente? Sim, porque a coisa vai acontecendo lentamente, como um sol que vai desaparecendo aos poucos, enquanto a noite chega sorrateira, pisadas leves, voz inaudível. Haveria de existir, claro, um instante, em que a menina e a mulher se encontravam e se tocavam rapidamente, numa despedida breve e imperceptível aos meus sentidos não apurados.
Perdida nos pensamentos, lembrei-me, então, de voltar a olhar o céu e a paisagem do lado de fora da janela, onde procurava encontrar o momento mágico do enlace entre dia e noite. Já era tarde, contudo. As árvores verdes transformaram-se numa grande e indivisível sombra. Um ponto brilhante nos céus anunciava a chegada da noite. Nenhum vestígio de luz, nenhum azul esmaecido, uma meia-lua sorrindo zombeteira pra mim. Perdi o momento em que o último raio de sol acariciou a face da noite em despedida. E me lembrei da voz da minha avó, numa infância encoberta por densas névoas, a me dizer: “Mistérios são mistérios, menina, a gente não tem como saber”....
47 comentários:
Belíssimo texto.Penso muito nesses momentos quando o que era se transmuta em outra ou outras coisas e, nunca consigo saber, ver, ouvir... Como diz sua avó mistérios...
os mistérios são mistérios e a gente não os sabe.
nunca.
beijão,
r.
Queríamos nós saber dos mistérios da vida, quem sabe um dia enxerguemos isso lá pra frente, aí seria os mistérios do passado.
Abraço
A sua avó tinha imensa razão.
Excelente post.
Um beijinho
Irene
Belíssimo o seu texto. Lindo! Delícia de ser Lido!
Não definimos muito bem quando chega à noite ou quando chega o dia. Ainda bem que temos esta consciência, pois a noite deveria começar quando o Sol se põe. E o dia anuncia sua presença quando o Sol rompe a aurora com os seus brilhantes raios. E ela estava ali. Então me perdi entre os Sóis e as Luas!
Grande Abraço Amiga,
Beijos!...
É. A infância é um mistério tão grande quanto a própria vida. Ela se realiza e se apaga, divide as lembranças, desbota as verdades e colore os mistérios. Gosto tanto de vir aqui ler esse roxo violeta :)
beijo
tem um instante que a gente desperta e se pergunta: como eu cheguei até aqui e o espelho não responde,
beijo
"sei lá quantas outras explicações já vieram socorrer essa necessidade vital de ter, em alguma hora do dia, que parar e...sonhar"
e assim vamos em tantas explicações que às vezes me pergunto o que temos de nós nessas buscas todas?
As avós não erram em sua sabedoria!
Quantos mistérios há, para desvendar!!!
Belo texto!
Beijos
Mirze
Maravilha, Tania. Você entrelaçou, com a precisão do mistério, esses dois momentos imprecisos: o anoitecer do dia e o de nós mesmos.
Me lembrei de um grande amigo e poeta que já se foi e que era fascinado pelos "gêmeos" (definição dele) amanhecer e anoitecer. Foi inspirado nele que Aldir Blanc fez a letra da música de João Bosco que começa assim:
"Eu gosto quando amanhece/ Porque parece que está anoitecendo/ E gosto quando anoitece, que só vendo/ Porque penso que alvorece"
Beijo
É assim quando resolvemos desmanchar um mistério - e eles são tantos que nem é bom insistir.
Também lembrei da música de Aldir Blanc e joão Bosco, uma de minhas duplas prediletas na MPB.
Beijo grande.
ah, malfadados espelhos que não se bastam com as suas próprias rugas. e a noite há-de ser sempre noite e o dia o dia; o que muda é o olhar que os divisa, avalia e [re]define. sejam os olhos o próprio vidro reflector.
um beijinho, taninha!
Lindíssimo o texto! Bem ao meu gosto! Fiquei emocionada.
Ah! Obrigada pela visita ao meu blog.
Beijos.
aplaudo este delicioso relato y confieso haber intentado ver el exacto momento en que empieza el día.(no develé el misterio...serán cosas de piscis?)
beijo*
Tânia: Interessante este teu texto, mas os mistérios são mesmo mistérios que não são faceis de desvendar, por isso mesmo se chama mistério, uma coisa dificil de entender.
<Beijos
Santa Cruz
Uma delicadeza de texto... detalhes só perceptíveis e explorados por que se banha de poesia.
Salve este dia que anoitece e todos os dias da poesia que ainda hão de alvorecer.
E um abraço fra/terno.
Tania, você é que faz e é poesia. Esse dia é seu! :)
beijos
Nesses mistérios é que está a graça da vida.
bjs
Adorei ler esse texto, Tania! O mistério é a magia que mantem vivo o defunto, o assunto das entrelinhas...
Obrigada, querida, pelas palavras que deixaste por lá. A recíproca é verdadeira. Abuso, e deixo aqui uns versinhos pra gente continuar comemorando:
Alimentamo-nos
em seios fartos,
deleite
nunca morno...
Morre o corpo
vive a alma
nutrida
do que não morre...
Sussurro ou grito,
nú em pelo
o espanto, -
fumaça de gelo
e fogo...
Não há fim
nesse princípio...
Só há vida.
Vida!...
Bjs, poeta. Viva a poesia! Quando não salva, alivia. Inté, querida!
Que bom ler você. Seus textos, ricos nos fazem aprender. Escreva sempre... Sempre...
Para comemorar o dia dos Poetas:
“Uma simples flor, mas carregada de perfume. Um perfume que nos faz sonhar. Os sonhos mais perfeitos, pois são coloridos.
Os galhos de ciprestes dançam ao vento, seguindo a melodia do amor”.
Beijos
tu um ser que abriga luz (beleza, mistérios, amor) :)
beijos
Me referi aqui a um meu falecido amigo poeta e citei o início de uma letra do Aldir Blanc em homenagem a ele. Mas omiti a continuação da estrofe que, além de bela, tem tudo a ver também com a sua crônica. O poeta veio me puxar a orelha essa noite, então tratei de vir aqui bem cedo (9 horas, pra mim, é madrugada) fazer o acréscimo:
"E então parece que eu pude/ Mais uma vez, outra noite/ Reviver a juventude/ Todo boêmio é feliz/Porque quanto mais triste/ Mais se ilude."
Beijo, Tania!
taninha,
um aceno de aquém-mar para alguém que torna a poesia na arte mais partilhável do ser humano, neste dia tão simbolicamente importante.
um abraço, poeta querida!
gracias por tu saludo
yo también te saludo
que viva la poesía!
besos*
Sempre me encanto com esta "casa da imaginação"...!
Tudo de bom!
seu texto tá um mimo só :D
adorei, lindo blog
http://manunatureza.blogspot.com/
Tô no FB sim, Tania. Põe na busca Zamagna e veja a foto, que é a mesma daqui. Tentei te adicionar, mas não achei pelo nome completo, e Tania Contreras tem mais que Zé da Silva!
Beijo
Um texto tão lindo que chega a ser palpável...
Bjsss
Mila
Fico deliciada - talvez como a noite ao receber a última carícia do sol - quando encontro textos como este!
O prazer da leitura... sem mistérios!
Curiosamente fiquei a pensar qual teria sido o momento exacto da minha transformação de menina em mulher...já vai longe e não consigo descortinar mas, ficarei atenta quando o outono da vida se instalar ou terei de chegar à conclusão da tua sábia avó: mistérios são mistérios e não há nada a fazer!
Beijo
Graça
Eis um texto verdadeiramente fascinante!!!
Beijo,
AL
Taninha querida, que blog lindo! Que sensibilidade!! Muito roxovioleta, pura poesia! Estou lhe seguindo :-) Beijos com meu carinho
Existe um artista que durante a sua existência dedicou sua obra na descoberta desse instante.
Esse exato instante do toque entre a noite e o dia. Chama-se Renê Magritte que viveu casado e feliz por muitos e muitos anos com Georgete. A mulher que dava todo conforto para a sua criação e cuidava de reinventar a vida para ele. Estou certo de que você revendo a sua obra, encontrará muitas respostas e pontos de contato. Beijos.
Texto encantador, Tania!
Encantador!
A sua sensibilidade e o seu talento revelam-se por inteiro neste escrito...
Abraço apertado da
Zélia
A Lua Canta alto aos corações sonhadores. Sentimos na pele os raios lunares!
Beijos!...
Tania,
Texto acariciante, pra se reler em arrepios. Um segredo de sonho cada palavra. Já o título um esplendor, e vó invocada ao final eterniza ternamente...
Obrigado, qualquer dia abrirei minha janela assim também...
Abraço noite-dia,
Pedro Ramúcio.
Sem mistério a vida perde a graça.
Cadinho RoCo
se vc não postar outro texto imediatamente vou chamar o Procom para prender vc por causar dependência e depois desaparecer...
Belíssimo! Mas confesso a primeira frase me remeteu imediatamente a um poeta da minha terra:
Fique peixe,
que a era é de aquários.
Valmir Jordão.
Amiga, seu texto, perfeito!!
Não tenho medo!! E vc, tem?... novo é novo, não do tipo, tudo de novo, mas novo de tudo.
Ei, tenho um presente p/ vc na minha página, na verdade, é um desafio, confere lá!
Abraço
Não são os mistérios que dão graça à vida?
Que enfadonha seria a vida sem questionamentos!
Um abraço
minha dificuldade com essas fronteiras é insuperável. se tento precisá-las, elas me atropelam sem dó nem piedade. quando tento tocar o focinho da manhã, já é tarde. então tento segurar a tarde pelo rabo, mas aí a noite já me raptou, rumo à madrugada.
sou tosco, avessado. se fosse um rio, nasceria na foz.
Tantos mistérios atravessamos neste nosso viver... Gostei muito do texto. Leitura que me prendeu e fluiu fácil...
abraços!
É roxo o amor, de amoras não, de dor. – disse a Délinha Prado e eu me lembrei do teu tom.
Beijinhos!
Boa tarde Tania
Mistério: tudo que tem causa oculta, desconhecida ou é incompreensível, inexplicável; enigma. E assim vamos levando a vida, sem conseguir entender certas coisas que acontecem na nossa passagem aqui na Terra.
Na oportunidade agradeço o comentário sobre o aniversário de Salvador, no blog do Lu Cidreira e infelizmente temos que concordar com o foi dito. Lamentável.
Grande abraço.
Oi,Tânia
Entrei sem bater. Deixei lá fora meus dissabores existenciais, a fim de difundir-me por entre esta atmosfera tão poética!
Quanto lirismo, que me sugere emoções indecifráveis...
A beleza do seu texto me comove e me remete aos meus pròprios mistérios. Afinal, quem não os busca? Compreendê-los denotaria estarmos prontos, não?
Saio agora, mas pedindo permissão para voltar a sentir esta áura cheia de luz violeta e tão sublime.
Felicidades!
SANDRA CRISTINA
Tania...
para mim, a hora mais triste do dia é o pôr do sol. Me gera melancolia, que vem da palavra melanina, aquele líquido escuro e denso que a vesícula produz. Os gregos sabiam....
Então esse contraponto entre esse nosso ocaso, esse nosso outono, esse envelhecer que não sabemos bem nem onde, nem COMO...nem nada enfim, tem tudo a ver com o poente.
É Tânia, não é um momento fácil não. Mas passá-lo com coragem, assumiondo alguns "mistérios"com fé, deve ser uma superação, a tal da maturidade.
Bom, tô falando por falar né, conceitos...intelecto, pq querida, estou nessa luta.
bom, só rindo e agradecendo mesmo
PVB:realit
trad: vamos nessa, é nóix!
Descobri o Roxo Violeta lá no Umbigo do Sonho... e adorei! Que coisas belas você escreve! Posso ser sua seguidora também?
Um abraço,
Kelly
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