Faz tempo não vejo sentido
profundo na festa de passagem de ano. Porque não acredito que o calendário do
ano vire para todos a um só tempo, numa mesma hora. Por muito tempo, não havia
rituais, orações que me fizessem entrar na viagem de “hoje é outro dia, paz,
alegria...” Minha passagem de ano não se dá no 31 de dezembro, nem no 31 de
outubro, meu aniversário. A minha passagem de ano se dá a qualquer tempo, a
qualquer hora. Eu sinto pipocarem dentro de mim belíssimos fogos de artifício, a água
esbranquiçada de um champanhe cósmico vertendo sobre a minha boca e eu entoando
a canção da minha alma.
Este ano aconteceu diferente. A simbologia coletiva agiu sobre mim. Acordei
ciente que vestiria azul na passagem do ano, ofertaria flores às águas – não religiosa, mas poeticamente – e pisaria nas águas durante a virada.
Por quê? Não sei. Sei, contudo, que a minha primeira visão no primeiro dia do
ano foi uma enorme borboleta azul, com bordas pretas, e ela tinha uma enorme
suavidade no azul.
Enfim, queriam me falar do azul
relacionado aos orixás, e eu não quis saber. Também quiseram analisar a cor
através de processos psicológicos, e também não quis ouvir. Eu nunca tive o hábito
de me preocupar com a cor da roupa da passagem de ano. Foi a primeira vez e eu
não queria saber por que me acontecia o azul.
Biquíni, vestido, sandália, tudo
azul. Também pela primeira vez senti vontade de ficar olhando pro céu até o
primeiro raio do novo ano. Não esperava que fosse um grande Réveillon , mas que me possibilitasse viver
o que planejara.
E a festa foi linda! Nos casarões,
boates com luzes multicoloridas, prata e ouro no corpo das mulheres. Do lado de
fora, o povo nativo de pé, de branco, em frente para o mar, esperava ansioso pelo
primeiro minuto do novo ano.
Eu esperei com os pés dentro d’água,
maré vazante, e entendi que a firmeza que preciso tanto aprender, esse
pragmatismo, essa disciplina, serão criados com e pelo amor. Minha oração era o
sal da água e o frescor do caminhar; eram meus olhos vibrando de alegria com os
fogos de artifício, era estar, não nos casarões iluminados dos ricos
veranistas, mas no meio dos nativos. Vibramos juntos e, coletivamente, pude
sentir melhor a alma dos nativos.
Minhas flores brancas boiavam em
movimentos que eu tentava decifrar. A vida é um oráculo, eu sei, podemos
enxergar através de tudo. Depois de compreender as flores em sua linguagem aquática,
acreditei verdadeiramente que todos nós podemos ir além do que pensamos poder.
Foi uma passagem de ano especial.
O mato, as montanhas, as cachoeiras sempre foram a minha mãe. Pela primeira vez
senti em relação ao mar um sentimento filial. “Minha mãe é água, e estende o
seu corpo líquido de modo a poder unir seus filhos de todo o planeta.” Naquele momento
é que pude sentir a minha face na face do mar. Nossos abismos assemelham-se
muito. Diante daquele espelho enorme, já temi muitas vezes.
Eu vi o amanhecer olhando pro
alto. A borboleta azul passou rente, a primeira aparição do novo ano. Meu lado
terapeuta queria analisar cada símbolo e concluir qualquer coisa sem vida
naquele momento; minha alma de poeta, porém, só queria acatar um desejo de uma
nova dimensão minha. Queria azular-se, independentemente do que isso pudesse
significar.
Antes de descer para praia,
participei do ritual com uma fogueira, que ardia ainda pela manhã. Depois, algo
de azul aconteceu. E a grande mensagem que a festa de passagem de ano deixou
foi exatamente sobre as celebrações. Os homens do passado celebravam mais. Há várias
formas de se celebrar. Há várias linguagens, muitos elementos advindos, na sua
maioria, das religiões. Mas nós não precisamos ficar presos a isso. Nós somos
um templo, um vaso alquímico, a magia a gente faz com a linguagem que seja a da
nossa própria alma. Meu ano novo ainda não veio, mas sinto que se aproxima.
Meus rituais brotarão da intuição e terão os elementos lúdicos e mágicos da
minha própria alma.
De qualquer forma, Feliz Ano Novo
para cada um de vocês. Aconteça ele quando acontecer...rs
16 comentários:
Cada um mede o seu tempo no seu relogio e se esteano ele coincidiu com o do calendario talvez ande magia por ai....
Bom ano para ti, quando o quiseres.....
Beijinho
Esperando pelo novo ano,
e fugindo das piadinhas clichês que o ano só começa depois da folia de Momo.
Tece com as tuas palavras um chão azul de águas rente à relva para saudar o Ano Novo, não importa o dia para qualquer um de "nóis".
beijos,
somos seres sociais, que cumprem ritos, não raras vezes cumprindo-se neles, esquecendo a marca que nos individualiza. concordo em absoluto contigo, taninha, e se há data que não valorizo para além da importância que qualquer outra tem é justamente a do primeiro dia do ano. que ela seja apenas a metáfora das transformações, renovações e engrandecimento transindividual que, a cada segundo dos restantes dias, possamos vir a concretizar.
um beijo desejando que esse tempo que se abriu diante do olhar a 1 de janeiro se faça nosso e à medida dos nossos sonhos e projetos maiores!
Que experiência bonita, Tânia!
És uma pessoa afortunada, cheia de
"insights", de sabedoria!
Todos os dias podem ser novos (ou não!), dependendo da história de vida de cada um, da percepção que tivermos do que nos rodeia; às vezes a realidade é tão sufocante,
que muitos de nós corremos feitos loucos em busca de um paraíso artificial!
um abraço cheio de afeto, e
beijosss
na boa?
acho que todo dia é de natal, todo dia é dia de ano novo, todo dia é dia de tudo, de qualquer coisa.
talvez por ter trabalhado durante muitos anos no meu aniversário e nestas datas mais populares, tenha perdido esta referência.
acho que meu calendário é muito bagunçado, taninha... muito.
e tenho certas dificuldades de lidar com datas "especiais' que os caras criaram pra vender mais isto e aquilo no comércio...
todo dia deveria ser de mãe e de pai e namorados e do que mais fosse e for...
todo dia deveria ser de ano novo, para que todo aquele que quisesse renovar, que buscasse um recomeço.
é o que sinto e acho.
mas, o que sei eu?
beijão,
r.
a água, o azul, a fogueira e a intuição disso tudo sendo a alma. teu texto é lindo e lê-lo me trouxe paz. abraço!
ah como eu queria ter rituais, tudo me passa e eu não me dou conta, sou apenas vento a varrer palavras,
beijo
Nesse dia a sua alma vestiu-se de azul.
Felizes dias novos!
bjs
Que sensibilidade a sua, Tânia! Felizes dias azuis, então!
é maravilhoso quando a intimidade com a natureza, com o mar nos toma por inteiro - sentindo essa extensão do mar como SER! A razão nem sempre acompanha os desejos do coração, muita vezes nos confunde. Que o novo te traga luz, poesia, vida e amor!
Beijos
Acontece que azular é um verbo de líquidos-efeitos! Se conjuga de pé descalço, em pleno contato com a interna natureza.
Beijo, Violeta*
(Feliz ano novo, seja quando for)
Taninha, minha queridona, eu ando super esgotada com essas férias escolares, pois minha netinha ( 2 anos) está comigo, me consumindo até, mas é delicioso esse convívio, no entanto, não tenho tempo pra mais nada.
Estou passando nos blogues, com o tempo mínimo, só pra deixar um beijão, mas assim que entrar fevereiro, tudo volta ao normal, aulas, tempo, amigos e poesia.
Seu texto é encantado, me cobriu de azul e de alegria, por vc, por mim.
Penso como vc, nessa questão dos ritos de passagem, pois toda renovação pode ser feita a qualquer instante e todos os dias são dias possíveis de celebração.
Eu te desejo, para 2000 e sempre, as melhores mágicas, os mais lindos milagres.
Bj enorme
Texto inteligente e sensível como poucos da internet. Parabéns!
A celebração pode variar entre as pessoas. Mas achei muito bonito o modo como você encara esses dias, os rituais e seu significado.
E desejo muito sinceramente que este ano te traga sucesso, como você merece, e muita alegria, Tania.
Beijo beijo!
tanita,
disse tudo!
guardei o texto comigo aqui. me fez um bem danado ler e pensar, caramba, ela tá certa.
um beijo, querida
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