Eu sou sua mãe, mas ela não sabe. A mulher que a acompanha passa por ser a mãe que eu não pude ser. Havia, sim, uma certa felicidade no rosto da menina, de modo que eu não me sentia culpada por tê-la posto em outros braços, um dia, quando ainda era um bebê.
Quando ela entrou sorrindo, uma ternura sedosa envolveu meu coração e uma voz sussurrou a mim que aquela era minha filha. Que era preciso oferecer-lhe o melhor de mim, ofertar o presente mais bonito do mundo, ainda que ela não soubesse exatamente por que o ganhara.
Estranhamente, nunca parei para pensar o que era, de fato, o melhor de mim, onde se encontrava. Mas no rosto da menina um olhar iluminou meus sentidos e reconheci a riqueza que iria deixar para minha filha: a poesia! Era mesmo estranho que eu soubesse, de repente, que o meu legado e a minha riqueza fossem a poesia.
Encorajei-me a chegar perto da criança e perguntei, sem jeito: “Você quer aprender poesia uma vez por semana?”. A resposta veio rápida e enfática: sim! E combinamos que nos veríamos na primeira aula, semana seguinte.
A criança do sonho era eu própria. O meu dom de criadora negado. A dimensão dos sonhos sedenta de vida. Começo de reconciliação entre a velha senhora saturnina que modelava minha face mundana e a criança asfixiada que buscava transformar estrelas em coroas douradas, metamorfoseando o mundo.
Era preciso criar sem medo, apelando para a espontaneidade infantil, imune aos julgamentos alheios.
E pari versos em contrações ritmadas.
Na poesia dormem filhos que não pude ter.
Na poesia dormem filhos que não pude ter.
6 comentários:
Massa, tinha lido há pouco no Mínimo Ajuste.
puxa, esse final é tão emblemático, tão... que me detenho aí
beijo
Que esses filhos venham ao mundo então e nos encantem tal qual esse texto magnífico.
Beijo.
há, afinal, tantas formas de dar vida...
beijos, taninha!
ah, Tânia
tua alma é tão especial
...
beijo carinhoso.
Foi muito bom ler seu texto. É muito profundo. Parabéns!
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