Há pouco descobri o que fazer da minha ignorância: caminhos inusitados! Ontem ouvi um ator verbalizar que não entende como conseguiu passar 78 anos de sua vida sem saber dançar. Não era tarde – nunca o é – e começou, enfim, a ensaiar os seus primeiros passos. Lembrei-me de mim, nesta quase segunda metade da vida, resolvendo um conflito básico da minha existência: atirar-me no abismo e viver o desconhecido ou reincidir nos passos freados bruscamente à beira de cada precipício que me chama há séculos?
Dançar pode dar certo, mas não rodopiei ainda com o corpo. A experiência veio de outra instância – mas também artística, por assim dizer –, como um convite da alma às mãos, tendo o papel branco como abismo e uma caixa de tintas – muitas tintas – à minha disposição. Pintar – nunca o fiz! E lá estava eu intimada a deixar que qualquer coisa desconhecida se desprendesse da alma, escorresse pelos dedos e se tornasse algo no espaço vazio à minha frente.
Viciada, procurei as cores habituais da minha loucura mansa – não as encontrei. Uma lambuzeira púrpura ensaiou-se no centro do papel, desconhecendo totalmente o seu destino último. “É assim que um filhote de pássaro aprende a voar”, pensei, com pincel empunhado e olhar trêmulo.
A alma sussurrou-me que me deixasse escolher pelas cores. Uma vertigem sangrou o infinito branco do papel posto à minha frente. Sobre o vermelho, um verde-musgo alvoroçou uma cauda espalhafatosa e brilhante, em movimentos que lembravam o abrir-e-fechar do rabo de uma ave. O que era aquilo, eu não sabia. Mas uma desordem buscava o seu sentido próprio, e a minha mão obedecia, ofegante, ao ritmo imprimido pelo bailado do tufo de fibras sobre o papel.
Em meio a um quase transe, uma voz instigava-me a transgredir as margens do papel, a espalhar o corpo recém-nascido para além dos limites estabelecidos pelo espaço, pelas regras que nos fazem estancar diante dos inúmeros abismos que nos convidam a viver.
Precavida, acudiu-me a providência de uma moldura qualquer, de uma cor qualquer, que me garantisse um retorno seguro ao mundo real, porque o tempo estava acabando e o delírio – embora vívido – não poderia prosseguir pelos caminhos de terra por onde os passos costumavam seguir.
Quem é você? – pus-me a pensar mirando a figura esquisita que nascera através de minhas mãos. De onde vem? – minha mente concreta ansiava por um nome, um lugar, uma explicação.
E uma voz primeva socorreu minha ânsia:
– Pássaro antigo sangrando à beira do abismo!
(T.C.)
Dançar pode dar certo, mas não rodopiei ainda com o corpo. A experiência veio de outra instância – mas também artística, por assim dizer –, como um convite da alma às mãos, tendo o papel branco como abismo e uma caixa de tintas – muitas tintas – à minha disposição. Pintar – nunca o fiz! E lá estava eu intimada a deixar que qualquer coisa desconhecida se desprendesse da alma, escorresse pelos dedos e se tornasse algo no espaço vazio à minha frente.
Viciada, procurei as cores habituais da minha loucura mansa – não as encontrei. Uma lambuzeira púrpura ensaiou-se no centro do papel, desconhecendo totalmente o seu destino último. “É assim que um filhote de pássaro aprende a voar”, pensei, com pincel empunhado e olhar trêmulo.
A alma sussurrou-me que me deixasse escolher pelas cores. Uma vertigem sangrou o infinito branco do papel posto à minha frente. Sobre o vermelho, um verde-musgo alvoroçou uma cauda espalhafatosa e brilhante, em movimentos que lembravam o abrir-e-fechar do rabo de uma ave. O que era aquilo, eu não sabia. Mas uma desordem buscava o seu sentido próprio, e a minha mão obedecia, ofegante, ao ritmo imprimido pelo bailado do tufo de fibras sobre o papel.
Em meio a um quase transe, uma voz instigava-me a transgredir as margens do papel, a espalhar o corpo recém-nascido para além dos limites estabelecidos pelo espaço, pelas regras que nos fazem estancar diante dos inúmeros abismos que nos convidam a viver.
Precavida, acudiu-me a providência de uma moldura qualquer, de uma cor qualquer, que me garantisse um retorno seguro ao mundo real, porque o tempo estava acabando e o delírio – embora vívido – não poderia prosseguir pelos caminhos de terra por onde os passos costumavam seguir.
Quem é você? – pus-me a pensar mirando a figura esquisita que nascera através de minhas mãos. De onde vem? – minha mente concreta ansiava por um nome, um lugar, uma explicação.
E uma voz primeva socorreu minha ânsia:
– Pássaro antigo sangrando à beira do abismo!
(T.C.)
44 comentários:
Para mim que escrevo e que, agora, meti na cabeça que hei de pintar, o seu post veio como um acelerador de desejo e de energia. Mal posso esperar para encontrar o meu pássaro antigo sangrando a beira do abismo.
Pássaro antigo sangrando à beira do abismo! Isso é muito, muito belo. Palavras de redescoberta, de renascimento, formas que se formam em outras paisagens. Abraço
Nossa!Tânia, que texto mais bonito! O título poderia lembrar quadros de Miró. Fiquei aqui pensando se é uma vivência que se transforma em sombolismo, ou o contrário. Mas isso importa? Importa a beleza que é sempre inaugural como vivência. Que pássaro pode ser tão antigo sem estar extinto? Talvez o instinto de liberdade com suas asas caiadas de esperança, sonhando abismos menos amplos.
Abraço.
De certo uma "dança" que nunca se esqueceu...
abraço
Pois é: Teresa é apenas um exemplo para a mulher espetacular!Há em nosso mundo milhares de Teresas que fazem bem ao nosso coração. E Por que não Reginas são sinônimos de Rainhas?
Dançar: - Admiro tango. Vejo os pares sinuosos desenvolvendo uma bela dança! Pena, não sei dançar também!
Parabéns, você escreve espetacularmente bem. É bom ler você!
Olá Tânia!
A vida ainda é bela por isso, porque sempre temos um novo aprendizado, um novo desejo a uma arte...a sempre uma descoberta, nos resta o lançar de corpo e alma.
Bela Noite!
Bjs
Mila
Essa questão de se dedicar a aprender alguma forma de arte em qualquer tempo de nossas vidas, é uma questão que sempre me inquietou.
Mas me diga: são suas primeiras pinceladas?
Vica longa ao Pássaro antigo sangrando à beira do abismo! Seria uma fênix?
Abraço do Jefhcardoso.
Oi, Bípede...dou a maior força! Eu encontrei um caminho delicado e escorpinianamente reservado de me enamorar com as artes: a arteterapia! Estou fazendo a formação (e adorando), mas sem dúvida me beneficiando, sobretudo, que não existe o curar sem o curar-se. Artes plásticas, teatro, música, enfim, logo, logo estou escrevendo sobre outros pássaros e outros abismos! rsrs
beijo,
Tânia
Olá, Assis: se na arte das pinceladas sou iniciante, nos delírios sou macaca-velha...rsrs Vejo coisas!!!!!
Obrigada por vir,
Abraços,
Tania
Tânia, que fortes essas palavras, de um simbolismo denso, lindo!
Gosto de abismos, gosto do frio na barriga um segundo antes de me lançar a eles
mas gosto, sobretudo dos pássaros, destes então que aprendem a voar se lançando de abismos sem volta...destes busco ter em mim a essência
belíssimo esse teu despertar
que venham outros, muitos
grande beijo
Marquinho, um elogio seu é qualquer coisa de maravilhosa, vindo do poeta que é! Pois então, o enamoramento com a arte vem com a formação em arteterapia, que tem me dado grandes presentes para a alma. A experiência foi real, dentro dese delirar constante que expande o óbvio e me faz querer, sempre, o que está por trás dele.
Beijo grande e obrigada pela presença.
Juan, que bom ouvi-lo mais uma vez por aqui. Agradeço de coração sua visita.
Abração,
Tânia
Machado, também acho o tango uma das danças mais lindas!!! E como nunca é tarde, meu amigo: por que não? Imagine as Teresas com seus pares num belo tango?
Grata, querido, pela presença e pelo carinho.
Mila, sim, essa consciência de que a vida é feita de belos e importantes aprendizados até o último segundo dela...faz a diferença! Obrigada pela presença!
Beijos,
Tânia
Oi, Jeff...não sei, mas cada vez mais tenho certeza de que a Arte precisa vir, a qualquer tempo, com qualquer semblante. Sim, digamos que minhas primeiras pinceladas, como um pássaro ensaiando e desejando um voo longo de prazer apenas, sem maiores pretensões.
Obrigada por vir... Passo por lá logo, logo para saber do nosso doutor...rs
Abração,
Tãnia
Andrea, li seu comentário, que desapareceu quando dei o ok...(mistérios sempre por aqui, coisas que somem do nada...), mas agradeço-lhe a visita, o carinho.
Beijos,
Tânia
Querida amiga.
Alguns dançam com o corpo.
Outros dançam com as palavras.
Outros dançam nos braços do amor.
Outros nos braços da vida.
Há muitas formas de dançar,
e cada uma é um recomeço
e um reencontro
com este mistério
chamado vida.
Uma linda semana para ti.
Ah, Andrea, foi só atraso, seu comentário, lindo, já está aqui! Beijos renovados!
Aluisio, querido...bom...fui visitá-lo e fiquei marejando com as estrelas e a mãe. Obrigada por vir...
Beijos,
Tania
Pássaro antigo à beira do abismo: eis o título do seu livro.
Atirei-me em seus textos duas vezes! Hoje você estáinpiradíssima... Lindo e verdadeiro demais! Atirar-se ou seguir a mesmice é sempre decisão difícil! Sou um dos passaros que você citou!
Meu aplauso empolgado!
Tania
cada vez que venho aqui,me encanto com a certeza que conheço uma POETIZA
A poesia não é uma liberação da emoção, mas uma fuga da emoção;
Não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade.
Naturalmente, porém, apenas aqueles que têm
personalidade e emoções sabem o que significa
querer escapar dessas coisas.
[T S Eliot]
Gerana, querida, um livro???? Hum...por enquanto é o título de uma vertigem, digamos...rsrs Beijos e obrigada pela presença sempre luminosa.
Oi, Pablo, é verdade, atirar-se é sempre um chamado, mas nem sempre ouvido. Como pássaro, você sangra versos tão lindos à beira do abismo!!!
Obrigada pela presença,
Beijos
Denise, adorei a citação, não a conhecia e me diz muito nesse momento. Obrigada por vir, sempre, e suavemente.
Abraços,
Tânia
Çok güzel site. :)
Mustafa, ai nossa, fui buscar a tradução do comentário, salvo engano é um elogio ao blog ("Muito bonito blog")...mas juro que não achei em turco o "obrigada". Vai em português o obrigada, até que eu consiga aprender um agradecimento em turco. rsrs
[Durante 10/12 anos, não escrevi mais que meia dúzia de linhas e muito menos textos poéticos... dei como facto consumado que a escrita era passado, peso morto, arquivo para recordar de quando em vez... e isto para quem escrevia tudo, nada ou quase nada, quase por compulsão desde os 12/13 anos, foi uma decisão drástica, mas tomada com toda a consciência...
Durante todo esse tempo, apenas absorvi o que me rodeava, "sem explodir", o que foi doloroso em determinadas ocasiões... até que quase acidentalmente, e numa situação semelhante, decidi colocar no wallpaper do meu computador: PARTILHA O TEU MUNDO!
E mais que uma necessidade ou vicio, a compulsão de partilhar e receber muito mais em troca (a amizade é muito mais!), aqui chegado, recuo um pouco, para essa parte "do abismo" em que estava há pouco mais de um ano e bendigo o dia em que abri a net e me desafiei a "fazer um blog"; assim não fosse e decerto, continuava nesse hiato onde a escrita pelas minhas mãos e tambor do peito, ainda não haveria acontecido!
E outros desafios?... pintei durante anos e também durante muito tempo disse que não voltaria nunca mais... e ainda aqui há dias dei comigo a ver umas tintas e...]
um imenso abraço, Tânia
Leonardo B.
*desculpa o longo desabafo... mas "nunca mais" é expressão que insisto que deveria ser abolida!
Fico feliz ao sentir que está feliz!... Assim nos dizem as cores quando se misturam. As cores se misturam numa nuança e nos penetra suavemente. Parecem delírios, mas acalmam nossa alma.
Beijos Sempre!
Que lindo o seu blog!
parabéns!
Rosa
Leonardo, seu depoimento me emociona e, ao mesmo tempo, traz elementos familiares: também fui "desistente", e como isso me fez mal. Acompanhando sua escrita constantemente, fico pensando na tragédia (sim, tragédia) que seria você ter desistido. É pretensioso de minha parte dizê-lo, porque é recente o contato que tive com sua escrita, mas digo: você nasceu para fazer poesia, para ver poesia, para ser poesia! E a cada leitura de seus versos eu me encho de esperança e creio que esse mundo é tão mais belo do que querem nos fazer crer!
Muito, muito grata pela sua verdade posta aqui.
Grande abraço,
Tânia
Machado, a felicidade vem da decisão de ir ao abismo...Não importa o que encontraremos depois: tudo será pedaços, fragmentos de nós mesmos que precisam ser resgatados!
Abraço, querido, e obrigada por ter vindo!
Tânia
Tânia, a arte é uma das formas da gente aprender e apreender o mundo.
Linda a sua vivência, linda mesmo.
Bacana esse pássaro à beira do abismo. Sendo vc de escopião, significa muita coragem.
Tânia, a ilustração é a pintura que vc fez?
Oi, Wal, que bom vê-la por aqui, bacana mesmo!
Acho que você foi na mosca: esse pássaro deve ter a ver com o lado escorpião, sim.
A imagem não é minha (nossa, não!!! rs). Meu pássaro antigo (primeira pincelada) se atira no abismo mas ainda não está pronto a mostrar-se...Está delírio demais, pinceladas de pré-iniciante, eu diria. Se tirar a vivência poética vai parecer a outros olhos uma ave atropelada! rsrs
Beijão, querida, obrigada pela presença.
Adorei, palmas, lindo post, maravilhoso blog, aki fico, aki te leio, aki te sigo, sinto seu coração pusar aki, ele é imenso.
com carinho
Hana
Sou movida por uma curiosidade infinda. Inclusive sobre minhas próprias potencialidades. Mas tenho grande dificuldade de gostar do que faço. Sei não, Taninha, mas acho que eu vivo com os pés à beira do abismo...
Fiquei supercuriosa; gostaria de ver o que você pintou. Até porque gerou esse texto lindo.
Bjs e inté!
Sensível.
Eu, por minha sorte (sorte?), inventei que sabia desenhar. Tânia, só saiu figura de palitinho.
Resolvi ficar apenas na escrita, ponto final.
Felicidades, cara!
Hana, obrigada pela presença carinhosa. Já estou também com você e adorei a viagem ao Japão! rs
Beijos,
Tânia
Oi, Ju,que bom te ver por aqui, sempre. Ah, amiga, as pinceladas são de uma pré-iniciante, eu diria, não vale a pena..rs...mas o delírio é antigo, da alma, às vezes estou eu lá mirando os abismos!
Beijos
Tania
Tânia...
"Pássaro antigo sangrando à beira do abismo"... Que coisa linda!!!
Acho lindo todas as formas de expressão e linguagem... A dança está nos meus planos, já há muitos anos... Agora estou realizando um desejo que tenho desde a adolescência: a fotografia. Viajo como você, não com os pincéis, mas desenho com a luz...
Você é uma pessoa sensível. Amo pessoas assim!!!
Parabéns!!!
Seu blog é lindo!!!
Beijo.
Este seu texto é de uma beleza...
fiquei lendo e relendo...
Gostei muito. Parabéns.
Que bom pela manhã ler um texto
assim.Bejinhos minha amiga./Irene
Oi, Paulo. obrigada pela visita e pelas gentilezas. Já estive aqui na sua casa e registrei minha passagem.
Abraços,
Tânia
Henrique, passei na sua casa e agradeci a visita, muito gentil. Ah, desenhar palitinhos é um começo. Os desafios são bons. Quem sabe você poderá ilustrar sua escrita, um dia, heim??? rs
Abraço,
Henrique Bar do Bardo!
Irene, querida, eis você aqui, com sua carinhosa presença: obrigada!
Grande beijo pra você!
Tânia
Linda a descrição de como você colocou no papel mais uma criatividade de sua inspiração.
ah, quando a gente é iniciante, é quando faz as melhores coisas...sem método, sem amarras, sem nada...sem vegonha....eu bem que queria ver.
Que maravilha o iniciar na pintura entrando no mundo muitas vezes desconhecido que é o nosso interior. Dentro de nós podemos encontrar pássaros como o seu é só soltá-los, amiga, no mundo encantado das cores. Pra mim a arte da pintura é uma necessidade física. Você vai se encantar, garanto.
abraços
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